terça-feira, 27 de março de 2012

A arte de ser chato

Ser chato é fácil.


Aliás, arrisco-me a dizer que é difícil, muito difícil, não ser chato.

Todos nós, por exemplo, fomos ou seremos chatos em algum momento do dia, do mês, do ano, da vida.


É inútil tentar lutar contra a nossa essência.

Fôssemos uma espécie guiada unicamente pelo instinto, e isto não ocorreria.

Mas está lá, gravado em nosso DNA: em meio a adeninas e tininas, está escrito que levaremos a bola para casa quando nosso time está perdendo, que derrubaremos o tabuleiro de War depois de dezessete horas de jogo. Por causa de um salpico de guaninas, somos praticamente obrigados a criar um apelido para todo e qualquer fato vexatório sobre alguém. As citosinas gratinadas (“citôs”, para os íntimos) nos levam a contar várias vezes a mesma piada sem graça e a deixar os amigos bêbados sem carona quando bater o sono.


Esta é a chatice social. É desagradável, sem dúvidas, mas ao menos é tolerada nos meios sociais.

Afinal, todo mundo pensa: “Poxa!, amanhã posso ser eu contando pela milésima vez a piada do paraguaio, né, Cenourinha?”


O problema são as aberrações.


Na minha turma da faculdade de educação física por correspondência de Asunción, por exemplo, tinha um cara tão chato que causava ataques de ansiedade generalizados.

Você poderia estar numa roda de trinta pessoas. Bastava um pequeno momento de desatenção, e lá estava você, sozinho, frente a frente com o chato. Sem chance de escapatória.


Aliás, há algo que não se pode deixar de reconhecer nos chatos crônicos: eles olham nos olhos. Talvez para tentar antever nosso movimento de fuga: “Hum!, vai inventar uma ligação importante... tsc, tsc, tsc... Essa é fraca!”, ou “Ataque epiléptico de novo? Pfffff... Só este ano, já é o terceiro...”

Certa vez, menosprezando o poder de percepção de um homo chatus, tentei dar o golpe do banheiro. Acabei sujando tênis e calça quando ele parou do meu lado no mictório, pra continuar a sua bendita estória sobre um programa de tevê que ia ao ar nas madrugadas de segunda para terça em algum canal UHF.


Mas este não é, ainda, o pior chato.


Há piores, e não são nem os que cospem quando falam, nem os que quase encostam a boca no seu ouvido. Nem sequer são os que cospem com a boca quase encostada no seu ouvido.

O pior chato é aquele que foi dotado da pior máquina de tortura já inventada pela humanidade, a produção conjunta de Hitler, Stálin, e do próprio capeta: o telefone celular com alto-falante.


Não há mais um espaço em toda a superfície do planeta em que se possa ficar um dia sem ouvir algo que, em sã consciência e por livre vontade, um ser humano com o devido preenchimento da caixa encefálica escutaria de bom grado.

Pra falar a verdade, não me surpreenderia se algum ufólogo captasse uma versão de “Ai, se eu te pego” em marciano ou venusiano.


O que, talvez, os demovesse de vez do sonho de encontrar vida inteligente fora da Terra.

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