terça-feira, 9 de novembro de 2010

Pobre de ti, viola

Dentre os meus hábitos excêntricos, tenho carinho especial por um: saio por aí anotando tudo o que me chama a atenção no mundo.

Revisito meus apontamentos frequentemente. Na grande maioria das vezes, fico sem saber o que fazer com eles, mas sei que estão lá por algum motivo (no mínimo porque têm a louvável marca de tornar digno de destaque um momento aparentemente sem importância).

Até que, num dia qualquer, eu acabo ligando lé com cré, e desse encontro surge um assunto.

Pra exemplificar, cito uma anotação feita há tempos: “O que fizeram da música sertaneja?”

Sertão deriva de "desertão", que era como chamavam tudo o que não ficava no litoral desta terra recém-descoberta.
E tanto coisa boa saiu desse deserto...
Cresci apaixonado pelo som da viola. Já embalei-me muito nos cinco pares de cordas de Índio Cachoeira, Fernando Déghi, Arnaldo Freitas, Renato Teixeira, Almir Sater.
Chorei mais de uma dezena de vezes um choro bom, sem explicação, só de ouvir “Tocando em frente”.

E a questão é: como essa boa música se transformou nesta porcaria (perdoem-me, mas não consigo pensar em outra qualificação) que hoje nos tortura, nesta melodia pobre que chora, em duplas, motivos de corno manso, com dedo no ouvido e tremeliques no queixo?

Hoje, lendo Hobsbawm, confirmei a minha tese: “A indústria produz artigos prontos para o uso do público, e o melhor tipo de público é aquele que comparece, de maneira regular e silenciosa, que se senta no escuro para assistir ao espetáculo de boca aberta: os inúmeros espectadores que se sentam em casa, sozinhos ou em pequenos grupos, olhando o jornal ou ligando o rádio ou a televisão. Se a indústria até hoje não conseguiu fazer do público um bando de idiotas é porque o público não só não quer apenas se sentar calado, como população passiva, para assistir ao show: quer também fazer seu próprio entretenimento, participar ativamente e, o que é mais importante, socialmente.”

Obviamente, não é uma análise do “sertanejo universitário” (que, pra imensa sorte do Rorrô, não chega nem perto da Inglaterra), e sim da música pop enlatada norte-americana, em especial o rock.
Mas é inegável que cai como uma luva à nossa triste realidade.

Ao menos ajuda a entender por que tem tanta gente por aí andando com um cinto do Batman e um jeans apertando o saco.

“Pensar só nos traz alegria, saber já é outra questão”:
Será que tudo é mesmo relativo? Será que não dá pra dizer que existe o mau gosto?

Enquanto não descubro, vou curtindo a minha viola e zombando desse modismo desagradável.

3 comentários:

  1. Elitista... daqui a pouco, está dizendo que funk não é música também!

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  2. Não soaria como uma pretensão achar que o seu gosto é bom e o dos (tantos) outros que gostam desse estilo é mau? Não que eu seja fã, longe disso.

    Mas música é assim: se mexe de alguma forma com você, acredito eu que é isso que importa. Não tem como explicar ou simplesmente dividir em boa ou má música.

    Música é música, e ponto.

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  3. Pensava que fosse só eu, crescida em Goiás, que gostava de ouvir uma moda na viola: Almir Sater, Renato Teixeira, Sérgio Reis... rsrs
    Bons tempos!

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