domingo, 1 de abril de 2012

Era uma vez...

Era bom. Ou melhor: devia ser bom.

Acontecia antigamente, num tempo que durou mais ou menos das primeiras pinturas rupestres até, quem sabe, o surgimento dos primeiros celulares. Ou, numa visão menos positiva, até os e-mails, i-cê-quês e congêneres.

Era uma época em que pessoas só se davam ao trabalho de escrever quando tinham, efetivamente, algo que valesse a pena ser transmitido aos demais.

No tempo do alvorecer da humanidade, ninguém saía por aí atrás de cocô de morcego, só pra poder desenhar na caverna um “E aí? Blz? Q tc?”

Não. A escrita já foi, um dia, expressão de arte.

Basta ver as cartas antigas para notar: cada missiva, uma obra – na acepção laboral e laboriosa da palavra – em que duas ou mais pessoas, separadas às vezes por quilômetros ou anos, esforçavam-se para manterem-se conhecidas, quiçá íntimas.
A escrita tinha, então, alma, sentimento, sentido.

Depois, infelizmente, inaugurou-se o tempo do ultrapragmatismo: mensagens que mediocremente substituem as falas num diálogo.
Abriu-se de vez mão do texto como construção, com começo, meio, fim, e uma ideia que o inspire ou que se queira alcançar.
Escreve-se para saber a resposta do outro – de preferência, marcada em caixas de “sim” e “não” –, ou para impor primitivamente (oh!, que injustiça com os primitivos) uma opinião, sem se preocupar em fundamentá-la.

Mas, quando pensávamos que a escrita estava condenada à morte, as redes sociais inauguraram uma nova era: aquela em que as pessoas exibem-se como grande conhecedoras de quase qualquer coisa sem nunca ter bebido na fonte.
Esta nova fase – o galvanbuenismo – teve como efeito colateral, paradoxalmente, a ressureição dos mortos, fisicamente (em especial, Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector) e literariamente (Jabor é o grande expoente).

E se achamos que, desta vez, morreríamos sufocados numa montanha de frases completamente fora de contexto e obras apócrifas, nos enganamos.

Porque a infinita criatividade humana nos levou ao niilismo feicibuquiano – também conhecido como inutilitarismo puro.
Hoje, dificilmente se passa um dia sem ter o desprazer de ler frases como “Tô no banheiro. Cachorro-quente estragado! hauhauhau”, “Vou ao supermercado, e já volto”, ou qualquer outra para a qual a resposta só poderia ser “E eu com isso?” ou “Queria que você morresse engasgado com a sua própria língua (Veríssimo)”.

É triste ver como a cultura da escrita degringolou nos últimos tempos.
Pesquisa realizada agora, em 2012, concluiu que o hábito da leitura – de livros, e não de redes sociais, obviamente – entre crianças de 11 a 13 anos caiu de 8,5% para 6,9%, no Brasil.
Leitura que é não só parceira inseparável, mas também razão de ser da escrita.


A solução, para isto e para qualquer outro hábito infanto-juvenil, é (ou deveria ser) o exemplo.
Só nos resta o mais negro pessimismo, portanto.

Pra nooooooossa alegria, menos da Luíza, que está no Canadá

Dois vídeos virais. Duas provas de que o brasileiro é capaz de rir de si próprio, mesmo que não se dê conta disso.

O primeiro: rimos de uma elite esnobe emergente, totalmente despreparada para ser a classe que deveria comandar o país.
O apresentador lança na tevê “o Boulevard Saint Germain, o novo endereço da sociedade paraibana. Apartamento para toda a família, com quatro suítes, sala para três ambientes, e um clube de lazer. E é por isto que eu fiz questão de reunir toda a minha família, menos Luíza, que está no Canadá, para recomendar este empreendimento.”

O pedantismo que começa no nome do condomínio termina longe, bem perto do círculo ártico.

Que diferença deveria fazer, para a reputação do empreendimento, seus potenciais compradores saberem que a filha do anunciante está no Canadá?
Será que, se Luíza estivesse em Santo Antônio dos Milagres/PI, a cidade mais pobre do Brasil, seu paradeiro seria revelado no comercial?

Óbvio que não. Mas um dos muitos problemas do Brasil, em especial das classes emergentes, é pensar que tudo que é do “estrangeiro” é melhor.
São brasileiros de nascença, mas se sentem gringos – e de certa forma são, mesmo – em sua própria terra.
É a síndrome do patinho feio: acham que, apesar de terem nascido aqui, são superiores a tudo o que os circunda; mas acham também que, por terem nascido aqui, jamais estarão à altura dos seus pares “da elite” norte-americana ou europeia – que, geralmente, tratam com reserva, quando não nojo e ares de superioridade, a protoelite brasileira.

É disso que rimos quando assistimos a este primeiro vídeo.
Rimos de nós mesmos, povo disposto não só a seguir uma elite completamente aculturada, mas também a integrá-la (jamais a substituí-la).

Já o segundo vídeo viral é exatamente o oposto.
Negros, pobres, cantando aquele que, hoje, talvez seja o produto subterrâneo-cultural mais disseminado, ao lado do tecnobrega: o gospel.

Rimos, mas não acharíamos graça se o vídeo tivesse sido gravado pela família da Luíza, cantando em bom inglês uma música do Blé-caid-pis, em sua sala de três ambientes no Boulevard Saint Germain.

Rimos de quê, então?
Rimos por a cara do Brasil ser de negros pobres, e não de meninas ricas que vão estudar no Canadá?

Rimos, de novo, de nós mesmos.
Rimos do que queríamos ser, e rimos do que queríamos que não fôssemos.

Mas rimos, principalmente, porque, a despeito de qualquer coisa, são vídeos engraçados. Muito engraçados.

Rimos porque o violonista da “noooooooossa alegria” é simpático – infinitamente mais do que o tosco e pedante apresentador do comercial de tevê paraibano.

E rimos, finalmente, porque o rir não necessariamente significa aceitar sem refletir os lampejos cômicos de uma realidade triste.