quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Um uiquéndi com vocês - Parte VIII - Demi sec ou rosé? Ah! Traz os dois...

Havia um, e só um, lugar que Hermana e Senquévis faziam questão de conhecer.
Pão de açúcar, Corcovado, Ipanema, Lagoa? Que nada! Quem disse que eles estavam na cidade maravilhosa para fazer turismo?
O que queriam mesmo era saber como é a tal da champanheria.

E Hector, como bom anfitrião, não poderia deixar de atender aos efusivos desejos dos amigos.

Como já era de se esperar – considerado o preço médio da especialidade local –, escolheram as bebidas com base na coluna da direita do cardápio.
E não sei se foi de tanto olhar para aquele lado que Senquévis e Hermana acabaram saindo de lá tortos (muito embora a descrição mais exata tenha algo a ver com “engatinhar”).

Enfim, insaciáveis como são, insistiram em prorrogar sua noite com bebidas, digamos assim, menos nobres.
No popular, afogaram o restante de seus fígados em infindáveis baldes de cerveja.

E houve quem não tenha conseguido lidar com a mistura.

Hermana, por exemplo, não pôde dormir naquela noite.
Berrava que iria se recusar a ficar em casa com os... fantasmas!

Ah!, pobre menina provinciana...
Acho que o champanhe ainda não chegou por aquelas bandas.

Um uiquéndi com vocês - Parte VII - Mochila, etc

O óbvio: é possível saber muito sobre alguém só pelas roupas e pelos acessórios que ela veste.

Por isso, todo mundo achou meio estranho quando Senquévis saiu para dar um passeio com a mochila nas costas. O que haveria de tão importante ali?

E o mistério permaneceu bem guardado por um bom tempo.

Mais precisamente, até a hora do café na Confeitaria Colombo.
Bastou Hermana perguntar se alguém tinha uma caneta, que Senquévis, veloz feito um leopardo, sacou de suas costas um estojo completo. Lápis, lapiseira, esferográfica, marca texto, borracha, corretivo. Tudo de que absolutamente não se precisa numa tarde de sexta-feira no Rio.

Ficamos todos sem entender o porquê de tanto grude com o material escolar.
Alguma trauma infantil? Teria o polaco sido alguma vez severamente castigado na escola por esquecer suas canetas?

Ninguém sabe.
Mas consigo até imaginá-lo, ao som da 9ª sinfonia, beijando tampinha por tampinha e dizendo com voz melosa: “Viram? Eu não jurei que a gente nunca mais se separaria?”

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um uiquéndi com vocês - Parte VI - “Bater perna”,

...no imenso dicionário de sabedoria popular, significa andar, caminhar sem rumo.

Mas, eu, na minha infinita ignorância, nunca tinha compreendido a fundo o sentido da expressão.

Aliás, o que há de tão especial nas pernas?
Elas são, como a maior parte do restante, ossos envolvidos em pedaços de carne.
Não têm quase nada de excepcional; sem grandes curvas, sem desenhos, quase nenhuma articulação.
Mas não posso negar que, ainda assim, sou seu grande fã.

E, palavra de entendedor, mesmo com tantas pernas espalhadas por aí, acredito piamente que é impossível encontrar dois pares iguais.

E aquele par, "djesus!", era simplesmente de enlouquecer.

Tanto que guiou não só os próprios passos pelo Centro da cidade, mas também – e principalmente – os nossos.

Confesso que nunca gostei tanto de bater perna.

Um uiquéndi com vocês - Parte V - Um'o quê?!

Perdoem-me. Não consigo pensar em sequer um comentário publicável.
Fiquem só com a foto, portanto.


Jogo da comida suspeita

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Auto-ajudem-se

Sempre às quartas-feiras ocorre um importantíssimo evento gastronômico, seguido de um cafezinho na livraria.

Nesses dias, são assunto recorrente os “livros” que ficam na primeira prateleira da loja. Isso. Aqueles: “História da religião em quadrinhos para crianças com baixo QI”, “Wonderland – escrito pelo espírito Michael Jackson”, “Lady Gaga – A história de uma diva” e, principalmente, quilos (é essa a unidade de medida mais adequada à qualidade) de obras de auto-ajuda.
O atestado de óbito literário dos pretensos escritores, grosso modo.

E foi num desses encontros que surgiu a ideia para um futuro best seller que escreverei, contando, é claro, com as sempre pertinentes ilustrações de Juan: “Como seu namorado não descobrir que você é uma psicopata que lê livros de auto-ajuda (para a hipótese, improvável, de você arranjar um)”®.

É verdade que o papel aceita qualquer coisa. Então o que me surpreende é que alguém se disponha a ler esse tipo de porcaria.
Mas eu, que quero mesmo é encher o meu bolso de bufunfa, não estou nem aí pra isso.

Aguardem!
Na prateleira mais próxima da entrada da livraria mais perto de sua casa.

Um uiquéndi com vocês - Parte IV - Planeta água

Venho correndo na praia.
Ao meu encontro, corre uma mulher maravilhosa.
Cabelos ao vento, passo a passo a distância vai diminuindo.
Chegando bem perto, ela põe as mãos pra trás e... tira o biquini?! Não! Puxa uma garrafa de água mineral, bem gelada!

Mergulho numa lagoa cristalina.
A placa informa: “água própria para consumo”.

O diabo pergunta o preço da minha alma.
“Vendo por cinco litros de água mineral”.

Ok.
Aqueles três sonhos todos em sequência queriam dizer alguma coisa.
Se os neurônios estão insistindo em gastar suas últimas sinapses desse jeito, eu não posso ignorá-los. Estou com sede. É inegável. Definitivamente, não foi uma boa ideia deixar pra comprar água na hora de levantar.

Acordo e vejo um mendigo ocupando um sofá com mais ou menos metade do tamanho dele.

Ei! Que estranho... Um mendigo polonês?
Ah!, não. É só o Senquévis.
Deve ter chegado de madrugada.

Reviro as malas dele.
Deve ter uma garrafinha de água escondida no meio desse montão de cremes...

Droga! O polaco acordou.
Agarro o potinho e saio correndo para o corredor... “My precious!”

Bebo até a última gota.
Aaaaaaaaaaaaaah! Alívio!

Opa!
Isto não é água... É... nham, nham, nham... loção hidratante para unhas?!

Caramba! Quatro sonhos seguidos?
Realmente, é hora de acordar...

Um uiquéndi com vocês - Parte III - Rala coxa

O “de leve” acabou atravessando a rua e, com malas e tudo mais, caindo no gandaia.

Juntaram-se à trupe Hermana e suas bugigangas, bem a tempo de ver um conflito intercultural chegando ao seu limite de tensão.
Não exagero quando digo que, por pouco, não se tornou um incidente diplomático. Foi só por esse tiquinho aqui ó que não presenciamos uma nova morte de Francisco Ferdinando.

Explico.

A gringa, como era de se imaginar, sambava sem qualquer ginga, mas destilando sua inacreditável inocência.
Era como se fosse a passista no carnaval do mundo de poliana.

Temos que admitir que parecia presa fácil.

Não demorou muito para que se juntassem à sua volta, surgidos das catacumbas das noitadas, aqueles seres que conseguem ser descartados pelas mulheres até no bate-papo do Uol.

O mais afoito pulou em cima como um náufrago que se agarra à tábua da salvação.
E foi um tal de passinho pra cá, passinho pra lá, cheirada no cabelo, piadinha no ouvido, piscadela pros amigos.
Brincando, brincando, passou uma meia hora...

Tudo ia muito bem, até que o aventureiro, já agradecendo à mãe por obrigá-lo àquelas aulas chatíssimas de Inglês, resolveu colher seu prêmio por toda a atenção dispensada.
Fechou os olhos, fez biquinho e... quase levou um tapa na cara.

“Você não é gay?!”

Pobre guerreiro.
Se fosse só um fora, tudo bem, ele já estava mais do que acostumado. Era praticamente rotina.
Mas aquilo era uma afronta à sua auto-estima reconquistada há poucos minutos.

Ficou tão indignado que precisaram retirar às pressas a americana, ainda incrédula.
Saiu jurando que nunca mais poria os pés num país onde não se pode sequer ralar as coxas inocentemente com um novo amigo...

Um uiquéndi com vocês - Parte II - Mai neimi is Will... Willsky

Não há qualquer explicação para o grave lapso.

Ajoelho no milho, dou a mão à palmatória, submeto-me a uma sessão de cinco minutos ininterruptos de Victor e Leo (conto com sua clemência em comutar a última parte da pena em chicotadas). Imploro perdão, enfim.

Afinal, como posso ter deixado de fora durante tanto tempo ele, o protagonista de sete entre dez das melhores estórias da juventude carioca?

A proporção até seria maior, quiçá dez em dez, se nas outras três ele simplesmente não furasse na maior cara de pau, sem dar qualquer satisfação.
Acho que ele não faz por mal.
O problema é que aquele pobre coração boêmio às vezes o convence de que pode estar ao mesmo tempo numa confraternização do trabalho no Leblon, numa festinha do pessoal da faculdade em Nova Iguaçu e, é claro, batendo ponto no Rio Scenarium (onde diariamente cumprimenta seguranças, pergunta sobre a filha do faxineiro e informa à mulher do caixa que “sim, consegui chegar em casa, sim, o problema é que eu não posso beber tequila”).

Refiro-me ao Willsky, mas podem chamá-lo de Will.
É bonitinho. O apelido, não ele.

"Well", Will é, como eu dizia, a personagem principal das estórias mais cabulosas que já vi e ouvi.
Podem apostar que, se um dia eu vencer o que resta de meu limite moral, escreverei um livro só sobre elas.
Mas por enquanto confesso que esse resquício de vergonha ainda me faz vexar com as simples lembranças.

Sendo assim, é bom vocês se contentarem em saber que, naquela quinta-feira, nos encontramos, eu, Lete, Will, e Pimp, “só pra um chopinho de leve”, e relembramos alguns daqueles bons momentos, deixando em estado de perplexo choque todas as mesas vizinhas.

"De leve"?! Ora! Quem eu quero enganar?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Em época de eleição...

Política é coisa que se discute na tevê, nas salas de aula, nas mesas de bar, até no meio da rua.
Mas será que política e banheiros combinam? Além, é claro, daquelas típicas analogias nada dignificantes?

"Às vezes", eu afirmo.

Há aqueles seres que, de tanto engajamento, não conseguem largar o assunto nem ao satisfazer suas necessidades mais vitais.

Vejam, por exemplo, este colóquio sanitário de altíssimo nível:


No lugar dos “Marcinha garganta profunda: nove nove nove nove meia mole meia dura” e “Sou uma pantera faminta e estou procurando um macho: bichaboiola@gaymail.com”, nada como ver um bom bate-papo construtivo. Né não?

Em algum banheiro próximo à sua casa...


(Disclaimer ao TRE: As opiniões rabiscadas na parede do banheiro não necessariamente coincidem com a posição do blogueiro.)

Uma pequena crônica sobre a crônica

Em primeiro lugar, me perdoem pela ausência.
Passei estes últimos dias trabalhando em um assunto mais (a)palpável que o blog: juntar a este sorriso talhado um corpo sarado. No caso, o meu.

Mas não vou enchê-los com aqueles papos interessantíssimos de academia: “Pô! Você levanta quantos quilos no supino?”

Meu deus! Por que é que estou falando sobre isso?
Não tem absolutamente nada a ver com a real intenção deste post.

Voltemos ao assunto.

Hoje, atrasando um pouquinho meu compromisso diário mais importante, decidi assistir a um pedaço da participação do Arnaldo Bloch num programa de tevê.
Comecei a ver porque uma coincidência me chamou a atenção: o título do livro dele, Irmãos Karamabloch, é uma paródia escancarada exatamente daquele que eu estou lendo (não agora; agora estou escrevendo).

Bem, comecei por isso, mas continuei porque ficou interessante.

“Eu sempre sei que vou terminar uma crônica”.

E realmente é verdade...

Neste sentido, "cronicar" é muito mais fácil do que romancear.
Pega um assunto, vai escrevendo o que vem à cabeça, e voilà...
Não precisa se dar ao trabalho de fazer a parte chata. Criar perfil psicológico de personagem, ambientação, emaranhado de estórias, etc, etc, etc? Deixemos isso para eles, e vamos ao que interessa!

Mas há também um lado infinitamente mais complexo: como criar emoções num espaço tão curto (às vezes, no tempo de uma ida ao banheiro ou da saída do chefe para um cafezinho)?

E aí está toda a graça da crônica, e é por isso que eu a prefiro aos romances.
É também o motivo por que ela só tem valor se for intensa, se interessar da primeira à última linha, se for um tapa na cara (no bom sentido) do leitor.

Só assim é que, mesmo nesse espacinho de poucas linhas, consegue fazer rir, pensar, às vezes até chorar.

Se não for hiperbólica, não tem graça.
Nem na literatura, nem na vida, aliás.

Mas agora eu fiquei curioso: quanto é mesmo que você pega no supino?

domingo, 19 de setembro de 2010

Um uiquéndi com vocês - Parte I - O cansaço me impede de pensar num título

“Lalarilalááááááááá... Um weekend com você.”
Era o que já cantava a Blitz na época em que ainda se podia falar o nome da banda sem o risco de o motorista pular do carro em movimento e sair correndo do bafômetro como o diabo foge da cruz.

Mas os uiquéndis são sempre bons, e isso ninguém pode negar.

Há pessoas, como eu, que vivem uma vida confessadamente voltada para eles.
Falam(os) dos dias daquele jeito esquisito: quatro, três, dois, um, sexta, sábado, domingo.

E este último fim de semana poderia ter sido só como os outros: bom pra caramba.

Mas houve algo que o fez ser melhor ainda.
Há duas explicações para o fenômeno, e não sei qual teve maior influência no resultado.

A primeira foi o raro alinhamento entre Urso Polar, Marte, Vênus e Mercúrio, tudo isso com ascendente em escorpião dourado de bolinhas vermelhas.

A outra possível razão foi a visita de Hermana e Senquévis à cidade maravilhosa.

Quem viver saberá (quase) exatamente o que aconteceu.

E é bom deixar registrado: se nesse meio tempo eu sofrer algum tipo de atentado, vocês já sabem onde procurar os suspeitos.
Há gente muito preocupada com o que será escrito aqui. E com razão.

Comentário de vovó

"Hector, se você não fosse professor de lambaeróbica, seria comediante."

Até agora não entendi - juro! - se o comentário foi bom ou ruim.
Mas tenho um péssimo palpite.

Sofrimento HD

Houve uma mudança muito significativa do meu último campeonato brasileiro para este, e não me refiro à drástica variação de perspectiva título-rebaixamento.

Na verdade, este ano, vejo tudo em alta definição...

São não sei quantas milhões de linhas de imagem para você, sócio première, não perder nenhum detalhe dos jogos do seu time de coração.
Nada de propaganda enganosa; pura verdade!

E é um tal de ver pixotada HD, passe errado HD, furada HD, tropeção HD, cuspida HD, tirada de meleca HD...

Dá uma saudaaaaade do tempo do radinho.

Bruuuuuuuuuuuuu!
Tremo só de pensar que poderia ter visto o Junior Baiano HD...

Vós cutucais, eles cutucam

Ora, ora...

Ainda curtindo aquele estado famélico e quase fantasmagórico típico das voltas de viagem, me deparo com ele, o recado: “conheço uma pessoa que entrou no seu blog, e disse que gastou uma tarde inteirinha nele”.
Como prova irrefutável, um link.

Juro que mesmo assim ainda me custou um tanto acreditar.
Seria spam?
Será que, ao clicar no endereço, um exército de vírus danados invadiria meu pobre companheiro de tantas estórias?

Improvável. Mensagem muito específica
Valia a pena o risco.

Estava lá. Éramos eu e ele.
E ele era um banho de satisfação pessoal. Daqueles com direito a óleos, chocolates, espumas, velas aromáticas e outras frescurites mais.

(“Controlcezei” de lá, e “controlvezei” aqui embaixo. Tudo – claro! – com os devidos créditos, porque não há nada pior para nós, escritores de fundo de quintal, do que o estelionato literário.)

Fato é que, no início por obsequiosa retribuição, e poucas linhas depois já por arrebatadora empatia, também li todos os posts.
Fui conquistado.
Linguagem simples e direta. Como tem que ser.

Quem tem o que dizer (ou escrever) abdica sem dó daquele, bocejo, estilo jurídico-obituário que vem dominando o nosso dia a dia, dos jornais aos avisos no elevador do condomínio.
“Favor não jogar lixo no mesmo. Grato, À administração”

Mari, não sei se, tal como você escreveu, seus momentos criativos são exatamente aqueles em que está triste.
Mas tenha a certeza de que, se forem, não há neste mundão-de-meu-deus qualquer forma de achar que os seus textos são melancólicos...

Mantenha o hábito, portanto. A eficiência terapêutica é garantida, e nós, leitores, acabamos ganhando de lambuja mais algumas boas linhas.


“Vagos devaneios ao fim de um dia de exaustivo trabalho...

Era o que isso seria se eu tivesse tido um exaustivo dia de trabalho, mas não!
Empolgada com meu ‘ex-futuro-e quase nunca mais de todo coração’, passei a tarde in-tei-ri-nha cutucando blogs alheios, dá pra acreditar?
O de hoje foi ‘bobagensmentiras’. Garimpei lá no okut da Ariane, aquela à quem eu me candidatei ao posto de amiga de înfância. Mas esse é um próximo capítulo , e ainda vai render um post.
Li o blog inteirinho!!! do primeiro ao último post! Só não comentei porque não consegui, (lembra da minha ignorância cibernética? Pois sim.) mas ganhei um bom humor tremendo, galopante, estraçalhante! Rolei de rir!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Muito bom! Muito bom!

Saí de lá cheinha de assuntos novos, relembrei cada episódio... Fiz um monte de anotações em um dos meus milhares de cadernos onde se anota qualquer coisa, até o que é muito importante, but, sorry baby... Ficou tarde e eu tenho uma longa viagem de 50 minutos pela frente.

Aaaai que bom humor!!
Aaaai que vida boa!”


(Do blog “De todo coração...”)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Promessa é dívida,

e há gente que cumpre o que promete.

Vejam, por exemplo, o compromisso firmado aqui.

Vocês certamente já notaram de quem são estes traços aqui embaixo...
É mesmo ele, nosso Dalí tupiniquim, nosso Rembrandt tropical.

Aquele que, mesmo do alto do seu consagrado trabalho (no qual se incluem obras-primas como "Menina bonita e amigas"), nunca deixou de lado as amizades que o apoiaram no início de sua brilhante carreira.

Então, Juan, esteja onde estiver, nas galerias de Nova Iorque ou em seu ateliê parisiense, saiba que nós sempre admiramos e sempre admiraremos o seu trabalho!


Chavaina Pocotó

Gênios

Andava tranquilo pela rua, e de repente chutou um negócio.

Opa! Que isso? Óóóóóó...Uma lâmpada mágica (obviamente, ele só descobriu que era mágica depois, mas estou meio sem saco pra contar a estória toda).

Esfrega, esfrega, esfrega, sai o gênio. Já meio velhinho, é verdade, mas ainda assim devia ter algum poder:

- Você tem direito a um desejo, meu filho.
- Quê? Como assim? Não são três?
- Tá de sacanagem, né? Olha pra mim. Você deu sorte de eu não ter morrido aqui, mais de mil anos dentro dessa lâmpada apertada. E além disso ainda tem a crise... Investi em ações da Petrobras, acredita?
- Se é assim, quero que você ressuscite a minha mãe!
- Que isso, meu filho?! Tá pensando que é assim? Eu tenho que seguir as regras... Faço coisas difíceis, mas elas têm que ser, no mínimo, possíveis. Pede outra coisa.
- Pô! Eu tenho vinte e cinco anos... Nunca vi meu time ganhar um campeonato brasileiro! Então, é o meu desejo: quero que ele seja campeão!
- Tá vendo, meu filho? Há sempre coisas importantes que a gente pode pedir. Qual é o seu time?
- Fluminense!
- Faz o seguinte: me dá o nome completo da sua mãe e o cemitério onde ela está enterrada. Vou ver o que eu posso fazer.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Modéstia à parte, meus senhores

Bem que eu gostaria de poder dizer: “nasci lá”.
Mas não posso. A verdade e uma certa dose de preciosismo me impedem.

Infelizmente, não sou mais daquele tempo em que as pessoas vinham ao mundo nas suas casas, e décadas depois ainda podiam dizer com uma pontinha de orgulho: “nasci e cresci aqui”.
Davam a impressão de querer mostrar que eram fiéis a um não sei o quê, assinando a obra em conjunto com o acaso: "por que não nasci em outro lugar? Por que não quis, oras. Ah! Houve também o destino, mas não faria diferença, mesmo."
Mas era bonito... Sem dúvida, era bonito.

Não. Como a grande maioria de vocês – se não todos – nasci na maternidade.
Mas posso assegurar-lhes: logo que os médicos concluíram que a minha frágil respiração e meus incipientes batimentos de neófito eram suficientes para encarar as crueldades do mundo, fiz(eram - meus pais, não os médicos) daquele lugar minha morada.

Dispensável dizer que esse meu curto período experimental no berçário não afetou em nada este meu orgulho suburbano.

Suburbano porque a Vila (e não me obriguem a completar com o Isabel, porque soa como uma formalidade que eu em absoluto não tenho com ela) fica no subúrbio.

É um lugar que nasceu quilombo, e isso diz muito.
É preta. É linda...

Talvez por isso seu ritmo, inigualável.

A parada de ônibus em frente ao Petisco, um lanche no Ponto de Cem Réis, a fábrica de tecidos, que eu cruzava todos os dias... Tudo parte da minha criação.
E era bom andar por lá vendo música concreta em cada canto daquele cotidiano.

As calçadas da Vila são partituras (e não é só metáfora).

Foi sobre elas aliás que tive a primeira amostra de tudo o que a vida depois me enfiaria goela abaixo em doses adultas, às vezes até cavalares: guerras, paz, conquistas, decepções, amigos, amores. E, é claro, o samba.

De tudo nesse meu destino, só uma queixa: por que não no tempo de Noel? Quem sabe até uma parceria eventual numa noite qualquer de boemia...

Quebra minha Canoa - Parte VI - Cinco reais

E foi só seguindo sua pista que conseguiram encontrar.

- Pelo amor de deus! Tem carvão?
- Quanto?
- Como assim quanto?! Quanto é?
- Cinco reais.
("Cinco reais" um saco? Um quilo?)
- Ok. Vou levar.
- Quanto?
- Errrr... - experimentou levantar dois dedos, ainda sem saber se tinha pedido dois quilos ou duas árvores.
- Ih! Quanto é dois? Vê aqui... – e, num enorme saco escondido atrás da lata de lixo, abraçou uma quantidade expressiva de carvão, jogando tudo numa sacola de supermercado – Isso aqui tá bom?
- Mais um pouquinho só – disse Hector. Nem precisava, mas a curiosidade irresistível de tentar, no final, descobrir qual era o sistema de apreçamento do negócio era mais forte.
Outro abraço no saco gigante, e mais um sacola de supermercado nas mãos.
- Quanto é?
- Cinco reais...

E devo dizer que o “cinco reais” foi falado com um ar de superioridade que dizia: “que cara maluco, não faz nem dois minutos que eu disse o preço”.

Saiu da loja ainda confuso, uma neblina que deve ser comum naqueles que reemergem de um mundo misterioso e incompreensível. Mas estava contente. Eram quatro da tarde, e finalmente o churrasco começaria.

Não sabia exatamente o que era real, o que era fome.

Do lado de fora, Senquévis, tamanho era o seu nojo, conseguia esticar o braço no dobro de seu real comprimento. Era um verdadeiro homem elástico.
Pudera... Não sei se de propósito ou sem querer, puseram logo ele para carregar as carnes.

“Eu não vou levar esse cadáver” – gritava.

Hector passou direto, fingindo (só fingindo) não escutar.

Tudo parecia só um sonho maluco...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quebra minha Canoa - Parte V - O encontro

Era um casebre acima de qualquer suspeita.

Na porta, um senhor cofiava o bigode e fumava tranquilamente um cigarro, na austera companhia de um cachorro, que – não duvido – devia ter um merecido nome de “Matador”, ou algo que o valha.

- Quero falar com o Seu Manel, por favor.
- Quem deseja?
- Eu.
- Você é de onde?
- Tem carvão? – habilmente, driblava as perguntas pessoais, inconvenientes.
- Isso eu tenho que ver com o Manel, meu marido.

Era difícil de acreditar.
Aquele ser bigodudo na porta não era um homem, mas uma mulher.
Sopesou: “se ela tem testosterona desse jeito, imagine ele...”

As pernas bambearam.

Para sua surpresa, um ser franzino, delicado, vestido unicamente de short e chinelas sorriu simpaticamente para ele.
Certamente pensou: “ao menos, é corajoso”.

- Olha, aqui comigo acabou, tente ver no Mercadinho lá de baixo. Use a senha “pelo amor de deus! Tem carvão?”.

Pensando melhor, não lembro bem se ele disse essa última frase.
Mas ela certamente ficou subentendida no seu sorriso jovial, no seu olhar maroto.

Hector ainda deu três passos pra trás, testando as reações.
Soltariam o Matador (ou Sultão, ou Thor, ou Bruno) em cima dele?
Iria querer apagar a provável única testemunha do mundo exterior? Aquele que tinha visto sua casa, seu rosto, seu cachorro e até o bigode de sua mulher?

Não.
Ele era experiente. Provavelmente, já tinha assistido a “O Poderoso Chefão” mais de mil vezes... Sabia, só pelo olhar, quem era perigo e quem não era.

E Hector era apenas um medroso desesperado, tentando provar a si mesmo e aos amigos que era também capaz de alguma façanha, de algo extraordinário que fugisse de sua rotina.

Isso tudo Seu Manel soube de pronto.

Quebra minha Canoa - Parte IV - Busca implacável

A cidade...

Não há um mapa sequer sobre ela. E nunca haverá!
Suas ruas são tão confusas que ninguém se surpreenderia se encontrasse um minotauro por lá.

Mas era tarde demais.
Muito mais importante que sua vida, era a moral de Hector que estava em jogo, a sua ilibada reputação.

As meninas olhavam para ele com aquele jeito de “Oh!, herói! Se não fosse você, quem iria nos garantir uma picanhazinha mal passada, uma asinha de frango, um pão de alho bem tostado?”.
Digam tudo que quiserem sobre ele, mas jamais neguem que Hector é o sensível dos sensíveis quando a causa é dessas dignas de fazer chorar.

Lançou-se à empreitada com a sede de quem sabe que vale a pena morrer por algo sem o que não vale a pena viver.

Embrenhando-se no labiríntico desafio, foi, casa a casa, pessoa a pessoa, perguntando pelo “Seu Manel”.
Usaram todo tipo de subterfúgios para confundi-lo: estaria procurando o Manel pescador ou Manel catador de mariscos?
Hector, sempre forçando seu sotaque italiano, respondia: “Você sabe muito bem quem eu procuro: o Seu Manel do carvão!”.

A confiança era a senha para ouvir um “terceiro beco à esquerda” ou “segunda à direita, primeira à esquerda, dá meia volta, pula o muro, corre do cachorro, passa por baixo da cerca, e pergunta no Cabeleireiro da Pituxa”.

Foi de dica em dica que chegou ao quartel general.

Quebra minha Canoa - Parte III - O prenúncio

Nem que eu vivesse um milhão de vidas aquele olhar sairia da minha memória: era como se dizesse “Vocês são loucos! Querem subverter toda a ordem mundial, querem violar todos os mandamentos, querem desinventar o impossível, querem fazer um churrasco em Canoa Quebrada?”

Mas percebendo que aqueles quatro intrépidos sorrisos não esmoreceriam, resignou-se. “Desculpe por não poder ajudar mais. Só tenho canela, mas desejo boa sorte”.

Na saída, acenou com seu lenço, já enxugando lágrimas, certamente por prever o futuro que aqueles três audaciosos carnívoros (e seu fiel amigo) teriam que enfrentar.

E em cada minimercado, lojinha, quermesse, foi a mesma coisa: “só banana”, “aqui, só azeitona”.
No fim, tinham uma coisa em cada sacola.

Faltava só aquele que, dizem alguns, é indispensável num bom churrasco: o carvão.

Era sempre assim:
- Carvão?! – e a pessoa, depois de se certificar da inexistência de elementos infiltrados, completava com um susurro praticamente inaudível: Só com o "Seu Manel”.

Quem já viu os filmes sobre a máfia sabe que não é fácil chegar aos cabeças da organização.
Chefão do carvão, na ocasião.

Hector até tentou buscar ajuda de Senquévis, só que ele, já meio escondido entre os caroços de azeitona que devorava sentado no meio-fio, recusou-se a dar mais um passo sequer naquela louca empreitada.
Disse ele: “Eu vou fica-raic-raic, aqui chup-chup, almoçan-pfuuuu-do”.

Deixou para lá.
Iria sozinho; fazer o quê?

Virou-se, e à sua frente estava a cidade.

domingo, 12 de setembro de 2010

Quebra minha Canoa - Parte II - Olhos no olhos

Foi aí que Hector lembrou:
- Galera, eu acho vi uma churrasqueira ao lado da piscina...

Entre muxoxos e frases inseguras, concluíram que talvez, não sei, será?, sim, sim!, com certeza havia uma churrasqueira.

Faltava só resolver o Fator Senquévis.
Mas ele, contra todas as expectativas negativas, num gesto de filantropo desprendimento e solicitude incomparável, girou para cima seu polegar: “Tudo bem, gente! Eu como pão de alho com azeitona”.

Estava liberada a festa.
Só faltava... tudo!

E aí, lembrando-me hoje daquele dia, vejo que era ali naquele momento que a tragédia poderia ter sido evitada.
Exatamente no olhar: aquele que a mulher do mercadinho deu quando Hector pediu: “a gente vai querer pão, alho, maionese, sal grosso, carvão, banana, canela, carne, linguiça e frango. Ah! E dois quilos de azeitona”.

Esquecer aquele olhar? Jamais...

Quebra minha Canoa - Parte I - Abriram os portões do inferno

Foi um churrasco tão peculiar que chegou a ser apoiado até por Senquévis – cujos hábitos alimentares, a depender do observador, podem ser definidos como pseudovegetariano, protocarnívoro, ou simplesmente “fresco”.

Mas me adianto demais no tempo.
Antes, as circunstâncias do festim.

Para quem não conhece, a província é terra pródiga em entretenimentos. À cada noite, oferecem-se sempre duas opções: sair e não sair.
Às vezes, sejamos realistas, só tem uma mesmo.

Os quatro então resolveram dançar com outro par de alternativas, só pra variar.

Encheram o carro com suas exíguas mochilas – eles, sunga e hipoglós, elas, biquini, três vestidinhos, duas calça jeans, catorze blusinhas, um vestido longo e trinta e sete pares de sandália, é claro, pra escolher de acordo com o traje da noite.
E também - minha transparência impede-me de omitir o fato - a frasqueira de Senquévis, sua companheira inseparável de viagens (a despeito de todos os desesperados apelos dos amigos, sempre obrigados a suportar os risos mal contidos dos outros passageiros na esteira de bagagens).

Iam pra Canoa Quebrada.
Pra resumir um pouco a balela, “foram”.

No dia seguinte à chegada, um café da manhã reforçado e, espírito alegre e descansado, caminharam até a praia – deixo aqui consignado o protesto de Hermana, que achou um a-b-ssur-do (assim mesmo, separando errado as sílabas) não pegarem um táxi pra percorrer a micromaratona do hotel à areia: exatos quarenta e dois metros e cento e noventa e cinco milímetros.

A escada prenunciou o que lhes aguardava.
Pacientes, tiveram que aguardar a mulher que pedia ao Wandyscleito (provavelmente o pai) pra “tirar uma foto com o Wandyscleitinho Junior aqui ó, que é pra mostrar as 'terra' lá no fundo".

Na verdade, acabou sendo até pior do que imaginaram.
Juro que foi ouvido um comentário do tipo: “olha lá que pessoas esnobes naquela barraca... Tão ouvindo Wesley Safadão só porque se acham 'cult'”!

Não demoraram nem dois minutos na praia, tempo suficiente para, numa simples troca de olhares, decidirem se enfurnar em seu chateau até a hora de voltar.

Uau!

Que fim de semana...
Quantas presenças ilustres aqui no blog. Tantas, que arrisco-me a dizer que foi um divisor de águas: a partir de agora, as datas serão a.10-12/09 e d.10-12/09.
E não é só puxa-saquismo, não, viu?

Aliás, tanto virtual como presencialmente (porque ainda tenho um resquício de vida além do monitor), foram dias de simpáticas companhias e agradáveis conversas.

Fossem todos os papos compilados em um livro, a capa certamente seria uma ilustração de Juan a meio caminho entre nada e lugar nenhum desatolando sozinho, lama até as joelhos, a van de amigos descontraídos fazendo coro de Eguinha Pocotó em Esperanto.
Ainda não pensei em como desenhar tudo isso, mas é o tipo de coisa em que a gente se sente obrigado a gastar uma boa centena de neurônios. Quiçá uns milhares.
É ver para crer.
Sugestões são bem-vindas.

Fato é que, entre caos e casos, surgiram boas estórias, desenterradas de não sei que confins da memória.
(Houve também, é bem verdade, outras péssimas – ou talvez apenas incompreensíveis –, terminadas em anti-clímax do quilate de “aí, eu subi a escada”, e que invariavelmente deixavam a plateia num sentimento misto de estupefação e vergonha.)

Dentre as do primeiro grupo, creio eu, está a do evento que, por muito tempo, foi injustamente negligenciado neste espaço.

É o que vocês verão no próximo bloco.


* N.A., em 16/09/2010: A promessa foi cumprida aqui.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Ah!rgentina - Parte XI - Donde mi vida terminaré

Peguem uma calculadora.
Se pode ser a do computador? Claro. A do celular também.
Menos a HP, porque tem que ser meio doido pra saber usar aquilo.

Saímos do hotel às 2h30. Quarenta minutos gastos na ida do aeroporto, uma hora num café da manhã da precoce, uma hora esperando o embarque, duas horas e meia de viagem até São Paulo, duas horas esperando a conexão, três horas de viagem até a província. Entre pegar as malas e um táxi, mais uma hora.

Somaram?
Isso mesmo! Mais de onze horas de viagem; nenhuma de sono!

Se eu estava acabado?
Não... Muito pior.

As primeiras (e últimas) palavras que escutei quando cheguei ao trabalho foram:
- Você brigou?
- Ahn!
- Por que você está com o olho roxo?

“São minhas olheiras”, pensei.
Mas acabei dizendo só “até amanhã”.

Ah!rgentina - Parte X - Mi Buenos Aires, tierra florida

Uma, duas, três... duzentas e setenta e cinco!
Peço licença aos deuses dos trocadilhos para fazer uso do óbvio: que calle florida!

Quê? Não gostou?!

Ah!rgentina - Parte IX - Borró una lágrima de pena

A trégua durou exatas oito horas.
Às 22h30, estavam num bar em Las Cañitas.

Deliberavam o que beber.

Por dois votos a zero, excluíram a opção mais óbvia.
Afinal, não pegaria nada bem dois marmanjos-cabras-machos jantando com uma botilla de vinho.
Restou então a parceira de todas as horas: ceeeeeeeeeerveeja!

Mas 'cê veja, mesmo ela lhes causou problemas... Que diabos de medidas eram aquelas?

“Porrón”, por exemplo?
Hector deu seu pitaco:
- Pô, cara! Espanhol é só um Português com sotaque... Essa tá mole! Porrón é uma porrada de cerveja – dizia ele, com forte sotaque portenho, ao mesmo tempo em que abria euforicamente os braços. Você vai ver: uma jarra de cerveja!

Lambendo os beiços, Senquévis virou-se na hora e, entre eufórico e desesperado, pediu logo dois... Hector completou: "dois pra mim também".

Tenho certeza que, pelo andar da carruagem, vocês até já desconfiam do fim.
E é isso mesmo: “porrones” nada mais são que umas porrinhas de umas garrafas minúsculas.

Ô!, povo doido!
E ao porrón uma lágrima de pena.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ah!rgentina - Parte VIII - Oigo la queja de un bandoneón

Juro que ninguém levava fé naquela noite.

Só pra dar um panorama: um restaurante de alto padrão, dúzias de casais espalhados por mesas no centro, dezenas de grupos no entorno.

De repente - e foi realmente uma mudança imperceptível –, baixa a luz, solta o som: “papanamericano”...
O lugar onde há poucos minutos duplas apaixonadas beijavam-se à luz de velas agora era palco de fervorosas brigas por espaço. Dançarinas em roupas íntimas deslizavam pelas pilastras sob aplausos de homens e mulheres, gringos e argentinos. Um cheiro misto de vinho, cigarro e pecado, enfim.

Uma noite longa só acabada com os apelos do segurança, que efusivamente insistia naquela ideia chata de querer fechar tudo.
Após alguns bons minutos de prorrogação, o jeito foi ir embora, já prevendo – com a experiência que uns tantos anos trouxeram – o sofrimento do dia seguinte.

Que ressaca!

Acordei bufando de calor, com a boca tão seca que deixou a vívida impressão de que eu estava chupando uma meia. Suja.

Tateando até o banheiro, quase fui traído pelo amontoado de roupas no meio do corredor, e o complexo sistema de interruptores do quarto (o botão do lado da cama acendia a luz do banheiro, o do corredor acendia o abajur de leitura, e por aí vai) tornou-se mais do que nunca um oráculo.

Aceitei minha incapacidade temporária, e decidi pela coisa mais sensata: pedir ajuda:
- Ô! Senquévis... Como acende essa porra dessa luz?!

A ausência de resposta preocupou-me.
Teria o polaco ido tomar café da manhã sem me avisar? Será que já eram 10h da manhã?

Uma olhada no relógio (14h30), e algumas alfinetadas na cabeça.

Precisei usar meu sexto sentido para encontrar o vaso e, depois desse esforço hercúleo, voltei a dormir.

Depois desse dia, jurei que nunca mais beberia.

Quépacóunti

Se você não mora na província, não vai entender.
Aposto que sequer acreditará no que vou dizer.

Mas renovo agora meus votos, e juro de pés juntos que serei mais fiel do que nunca aos fatos.
Por isso, peço que confiem em mim quando digo que há seres que, passada já uma década deste Século XXI, insistem em ostentar desavergonhadamente o estandarte máximo da pieguice: BONÉ! Isso, mesmo – pasmem – nas noitadas!

Na verdade, o boné é apenas um dos apetrechos (a cereja no sundae, é bem verdade), que, juntamente com a camisa de polo ou rugbi, o copo de uísque e o energético, formam o uniforme de um grupo de seres que reúnem um certo número de qualidades negativas, e são denominados pejorativamente de “forrozeiros”.
Sua tática de aproximação varia desde a simples puxada de cabelo até a puxada de cabelo combinada com o “Ei! Ô! Psiu!”.

O “quépacóunti” – versão provinciana de “cap account” – é portanto o número de bonés que, numa olhada, dá pra se enxergar.

E chego aqui ao ponto fundamental deste post.
Fiem-se neste conselho amigo e desinteressado: vocês não irão gostar de estar num lugar em que o contador esteja marcando um número maior que dez.

Como com certeza estará aqui:


Alguém aposta no contrário?

Aliás, tenho uma história terrível envolvendo o tal do Wesley Safadão, mas o trauma ainda me impede de tocar no assunto.
Peço que respeitem, por favor.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Boas companhias

Lá fora, a solidão grita, conspira, silencia.
Resguardo-me aqui, dentro de mim.
Acredite, não há lugar seguro como minha companhia.
Até tentaria o risco. Mas ele?
Ele não me tenta, e é exatamente assim
que acabo como eterno escravo de quem sou
(o que, você diz, de certa forma
é melhor do que ser escravo de quem fui.
Ou de quem pretendo ser). É sim.
O problema é que mais quase nada me conforma...
Para calar minha solidão será preciso
bem mais do que fórmulas, corações e rosas.
Porque por mais que eu, esperança,
tente perder-me em pura poesia
Acabo me descobrindo sempre um apreciador
- entusiasta! - de uma boa prosa.

Protesto!

Fiz bico, amarrei a cara, cruzei os braços e passei uma semana sem escrever.
Pô! Nem um comentariozinho sobre as últimas três postagens!

E vocês não estão nem aí, né?
Mesmo com o meu protesto, NADA!

Mas aposto que, se eu fosse o cara do cafezinho, ia ter reclamação, ameaça de greve e tudo o mais.
Quisera eu...

O que me restou? Voltar ao meu triste ofício de blogueiro incompreendido.

Snif.

Ah!rgentina - Parte VII - Bajo su inquieta lucecita

E o que dizer daquele grupo?
Um Paratodos encarnado em terras portenhas, ensinando aos argentinos um pouquinho de brasilidade.

Ali, íntimos desconhecidos, não deram qualquer brecha para que pensassem que até aquele momento jamais haviam se visto.

Rio de Janeiro, Paraná, Ceará, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais; seis estados, unidos por obra do acaso.

“Acaso” que me faz pensar em quantas pessoas dignas de nota devem ter passado por minha vida sem que eu as tenha percebido: na mesa ao lado, na virada de cabeça, no segundo depois. Ou no antes.
Confesso que, no brinde, não pude deixar de agradecer (em segredo): “obrigado, vida, pela oportunidade”.

No fim, é realmente essa a lei natural dos encontros: deixamos e recebemos um tanto.
E o que de melhor pode haver?

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Ah!rgentina - Parte VI - Dice su ruego de coraje y de pasión

O trio finalmente estava formado.
Os três sabiam desde o início que aquilo tudo seria efêmero: Metoddy teria que partir no dia seguinte.

Asia de Cuba. A entrada mantinha com um esquisito orgulho a mais típica organização latino-americana: Nenhuma.
Aliás, serei justo. Havia uma única: “tem reserva?”, repetia o adestrado leão de chácara.

“Não tem reserva? Espera lá..."

“Lá” era um canto a uns cinco metros da porta, onde algumas dezenas de pessoas amontoavam-se com olhos de cachorro pidão, fiscalizando-se umas às outras e dispostas a atirar um sapato ou um enfiar um canivete no primeiro que inventasse um golpe para passar à frente.

Aqueles seis olhos tiveram que ir pra “lá”, juntar-se à triste multidão.

Mas não por muito tempo.

Foi feito o pregão: “Tem uma mesa de oito lugares vaga! Alguém está num grupo de oito?”

Hector, pra surpresa geral, saltou à frente e berrou: “Nosotros!”

Checando com o rabo de olho, percebeu que sua vida corria perigo.
Ouviu um “Então, meu... Acho que ele está inveintaaando pra passar na freinte!” e notou que dois casais já começavam a se mancomunar para fazer um escândalo.

“Cadê o seu grupo?”, peguntou el león.

(É agora, Hector! Sou mais você...)

“Aqui, aqui”, apontou para Senquévis e Metoddy; “aqui, aqui, aqui”, desta vez, para três mulheres encostadas na grade, que se viravam para trás tentando entender de quem aquele maluco estava falando; e “aqui”, arrematou dando um tapinha camarada num pobre turista que esperava sozinho.

O clima ficou tão pesado que daria até para cortá-lo com uma faca.
Todo mundo olhando meio desconfiado...
“Será?”, era a pergunta que rolava.

Não podiam esperar...
Hector puxou todo mundo pela porta.

O segurança, ainda um tanto incrédulo, tentou um último lance: “Mas aqui só tem sete!”

“Avisa a mi amigo Pedrito que ya estamos en la mesa”, foi o que provavelmente ouviu de Hector, que já berrava lá de dentro.

Daqui não saio, daqui ninguém me tira!

"Garçom, por favor três garrafas de vinho, porque hoje estamos comemorando. A propósito, muito prazer. Quem são vocês?”

Ah!rgentina - Parte V - Cuando yo te vuelva a ver

Direita ou esquerda? Tanto faz.
É realmente preciso ir a algum lugar? Aqui, não.
Basta andar pelas ruas, almoçar com um bom vinho, tomar um café em qualquer livraria.

Cada vez que vou a Buenos Aires convenço-me de que a graça é não precisar fazer nada. E ainda assim ter um ótimo dia.

Ah!rgentina - Parte IV - Vuelan los años, se olvida el dolor

Uma hora, o momento tinha que chegar. E chegou.
O carro corria as autopistas, e eu revia, relembrava, reconhecia os taxistas mal humorados, as placas, os bairros, os prédios avarandados e desengonçados, as estórias.

Buenos Aires.
Já fazia dois anos, mas eu estava de volta.

Há quanto tempo pisei aqui pela primeira vez?
Mais que cinco, menos que dez anos; algo nesse espaço.

Um tanto mais jovem, muito menos conhecedor da vida.
Alguém melhor, talvez. Provavelmente. Com certeza.

Puyerredón, Jujuy, Catamarca...

O carro para no pedágio, e eu me lembro daquela vez em que ficamos presos aqui na entrada de La Boca, sem dinheiro para pagar o pedágio.
Eu e um irmão que não está mais aqui comigo.

Mesmo assim eu rio.
Rio um pouco mais do que ri naquela hora.
Rio agora por mim e por ele.

Buenos Aires tem cheiro de saudade.