domingo, 19 de dezembro de 2010

Pequena reflexão explosivo-sentimental

Primeiro, o universo. Depois, o mundo. Procariontes, eucariontes, dinossauros. Catástrofes. Gentes, filosofias, religiões, rebeliões, revoluções. Guerras, pazes, amores, desamores. Séculos, milênios. Dezenas de centenas de milhares de milhões de homens e mulheres.

Aí, veio você.

E desde então minha vida é esta procura sôfrega, trôpega, trêfega.
Sinfonia de melodia alucinada, depois da espera de tantos compassos.
Calada, daquela eloquência das coisas simplesmente indizíveis.
Sedenta, da sede que só se mata com saliva e suor (muito suor).

É uma busca de carne, de pele, de pelo, de cheiro. Um sentir de lábios quentes nos ouvidos, de palavras susurradas à alma. É de saudade. É de espera por pensamentos entrelaçados, vidas entrelaçadas, corpos entrelaçados, mãos entrelaçadas.

É não dar a mínima aos dezenas de centenas de milhares de milhões, aos séculos, milênios, às guerras, pazes, amores, desamores, filosofias, religiões, rebeliões, revoluções. Um “dane-se o mundo”.

Que não reste nada, enfim; tanto faz.
Seremos tudo.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Soy loco por ti, América - Parte I - Pelo visto, uma zona

Não que eu esperasse algo diferente.
Nem nos meus sonhos mais loucos imaginei um casarão, bandeira hasteada, tapete vermelho, funcionários solícitos.

Sinceramente, fui esperando quase qualquer coisa.

Passaporte na mão, entrei naquele prédio velho de Copacabana. Dividindo o andar com um advogado meio porta de cadeia meio papa defunto, a porta exibia num orgulho contido o brasão. Acima, a inscrição: “Consulado de Honduras”.

Sim. É preciso de um visto pra entrar em Honduras. E outro para entrar em Belize (que você nem sabia que era um país, né?).

Tudo muito bom, tudo muito bem.

Mas... “Horário de Funcionamento: 11h – 12h / 14h – 15h”, ou algo assim.

Uma checada no relógio: 14h30. Uau! É meu dia de sorte!

Campainha.
Campainha de novo.
O advogado esquisitão da porta ao lado me aborda, desconfiado:
- Ei! Este aí é o Consulado.
- Eu sei – e penso, de um jeito meio irônico, que não deve ter muita gente a fim de se submeter aos horários esdrúxulos dos órgãos hondurenhos para arranjar um visto.
Volto à campainha. Ouvido colado à porta. Foi um barulho lá dentro? Não... Acho que foi o advogado chato. Deve estar me vigiando pelo olho mágico. Ou acha que sou um terrorista, ou que eu vou sair preso em breve. Deve estar percebendo uma oportunidade de negócios. Toc, toc, toc. Paf, paf, paf. Nada. Desço e pergunto ao porteiro:
- Tem outra entrada para o Consulado?
- Não. É só aquela mesmo.
- É porque ninguém me atende. Será que está tendo reunião, ou alguma coisa assim?
- É que só funciona de vez em quando. - Juro que ele disse isso: “de vez em quando”.
- E como eu faço pra tirar o visto?
- Ah!, quando o pessoal precisa, fica vindo aqui, até encontrar alguém.

Depois de uma explicação tão clara, só me restavam duas opções: mudar-me de volta para o Rio e ficar morando na portaria do bendito prédio, ou pedir pra Mamãe Hector resolver tudo pra mim.

Continuo no mesmo endereço, se querem saber. E consegui o visto.

Próxima etapa: “Consulado Honorário de Belize”.
Fica num prédio residencial...

No tempo da delicadeza

Descobri uma palavra nova.
Não. “Descobrir” não é o jeito mais certo de dizer. Acho que, na verdade, só desvendei aquele sentido secreto que todas elas têm. Aquela coisa que só mostram a quem se interessa, a quem chega ao fundo.

Há coisas que podem ser expressadas de muitas formas. Outras de nenhuma. Umas poucas de um jeito só.

Dizer-se “encantado”, por exemplo, está fora de qualquer compreensão.

Não é de propósito, não é feitiço, não é sentimento, não é pensamento.
Disfarça-se de fenômeno da natureza. Simplesmente acontece: encanto.

Pensem, quantas vezes já nos encantamos, no sentido mais profundo, sem nem perceber? E quantas já nos confessamos encantados, exatamente nestes termos, nesta ordem de letras?

Vivendo neste mundo que nos enche de responsabilidades chatas, não há fuga melhor do que ser simples e inocentemente encantado.

Prezado senhor tempo,

Tu me enganaste.
Ou me enganaram em teu nome. Sinceramente, não dou a mínima.

Tanto me falaram, que cheguei a acreditar em teus poderes, em tuas curas milagrosas para todas as dores.
Mentira, engodo, engano.

Já tanto tempo, e ainda dói.

Ai!, que falta ele me faz.
Queria contar tanta coisa, perguntar a opinião, compartilhar um sentimento novo, dizer "pô, Leo, tô lendo um livro que você vai gostar", ou então "amo você, cara, e aconteça o que acontecer a sua amizade está cravada na minha pele, correndo em meu sangue, firmada pra sempre na memória".

Mas não posso, senhor tempo.
Ou melhor: posso, mas acabo gritando sozinho (ou contigo, não te ofendas por isso).

Será que tu também te ressentes de algum vazio? De momentos que poderiam ser? Deveriam. Tinham que. Será que também sentes esta dor lancinante que chega de repente?

Ah!, senhor tempo, se não és tu, ao menos me diga: quem cura esta saudade?

Pois é.

Tava por aí. Bonito, cheiroso, pedante, teimoso, fazendo finta.

Demorei um pouco pra passar por aqui; é verdade.
Mas é que acabei acometido por aquele silêncio de quem tem muito pra contar. Coisa de moleque, sabem?, que chega do passeio do colégio e só consegue dizer “foi bom”.

Foi bom. Está bom.

Que mais? Por onde começar (se é que existe mesmo um começo)?

Como sempre, já é tarde da noite.
É só agora que minha cabeça começa a funcionar. No resto do dia, é como se andasse, comesse, falasse por puro instinto. Só agora sinto cansaço, fome, sede. Penso.

Gosto da sensação de estar acordado enquanto a cidade toda dorme. Me sinto um clandestino debaixo do meu próprio teto, Violo as leis da natureza. Roubo do tempo. Ganho minutos preciosos da minha própria companhia. Enfim sós. Enfim só.

Queria ter uma vitrola. Pena. Não tenho. Prefiro quando a voz da Lady Day vem arranhada pela agulha. Sempre que começo a escutar, penso numa frase que ouvi certa vez: "quando Ella Fitzgerald canta que o homem dela foi embora, você pensa que ele foi à esquina comprar cigarros. Quando Billie Holiday cantava a mesma frase, você podia ver o sujeito fazendo as malas, pegando o carro e indo embora para sempre".

Engraçado. Neste instante um carro passa lá fora. Vai ou volta? Será que eu me importo com isso? Eles se importam?

Não fumo. Não vale a pena sacrificar meu pulmão por essa imagem lúdica. Mas não nego que seria bom ter algo entre o médio e o indicador, olhos fechados, mão seguindo o compasso. “All of meeeeee, why not take aaaaall of me?”. Não quero dormir. “Caaaaaan't you see? I'm no good withooooout you”. Poderia escutar isto pra sempre. “Take my liiiips, I want to loooooose them”. Apago a luz. “Take my aaaarms, IIII’ll never uuuuse them”. Só a penumbra que vem de fora e a luz do monitor.

Não tenho vontade de escrever. Não tenho nem vontade de pensar.

Sentir, sentir, sentir... Aqui, agora, não é proibido.

Envolvido. Pelo som do quarto, pelo silêncio da noite.
“Why not take aaaaall of me?”

Equilíbrio: o corpo relaxa, descansa, enquanto a cabeça vai longe, passeia por ruas, cidades, pessoas.

Bom. Muito bom.
Simples assim.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Um olhar e um sorriso

Seu braço pendia sobre o pescoço dela como se fosse um animal morto, frio.

Olhavam juntos, calados, para o mesmo ponto (se é que dava pra chamar aquilo de olhar: as pálpebras caídas, as pupilas sem brilho).
Era como se enxergassem por mera obrigação imposta pela natureza. E era como se escutassem por obrigação, respirassem por obrigação, gostassem por obrigação.

Ele percebeu o exato momento: aquele sorriso inoportuno denunciava se não uma revolução, ao menos um movimento.
Ele, o que houve, ela, acabou.

Foi ali que a sua vida mudou.

Já gostara e desgostara muitas vezes depois daquele dia, e em todas elas largou a sua quota de braços e olhos blasé.

Mas mesmo com todas as distrações, aquele sorriso nunca lhe saiu da memória.
Não o tempo todo, mas numa frequência que o permitia dizer ser um incômodo.
Nem era tanto a perda (que ele já tinha superado há muito) que o torturava, e sim a pergunta, irrespondida e irrespondível: “por quê?”

Agora, ele estava ali com ela.
Não aquela “ela”, do começo. Outra “ela”.
Impossível dizer se felizes ou tristes.
Olhavam (se é que se pode chamar aquilo de olhar, blablablá...) aquele casal que trocava beijos ardentes e juras de amor eterno.

Por causa deles, acabou lembrando do que um dia foi capaz de sentir.
Veio-lhe novamente na boca aquele sabor de promessa sincera, de sonhos sôfregos de um futuro necessário, lado a lado.
Há quanto tempo não sentia aquilo...
Valeria a pena viver sem esse amor destinado, desregrado, desesperado?

Não sabia a resposta, mas sentiu-se vivo simplesmente por ter formulado a pergunta.

Sorriu.

Ela, o que houve, ele, acabou.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Soy loco por ti, América - Parte Nihil - Correr mundo, correr perigo

No dia dois de dezembro, meus pés pisarão seu vigésimo país.
A Guatemala se juntará ao seleto grupo formado por Brasil, Estados Unidos, Portugal, Espanha, França, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Bolívia, Colômbia, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Polônia, República Tcheca, Áustria e Suíça.

É o meu G-20.
Que, até o Natal, já deverá ter se transformado em G-26 (isso se, no meio do caminho, eu não descobrir a existência de mais algum micropaís por lá).

A pergunta que todo mundo me faz é: por que a América Central? E eu, sinceramente, não tenho nada a responder além de “por que não?”

É isso mesmo. Não tem motivo algum.
Só esta vontade louca de “correr o mundo, correr perigo”, esta inexplicável necessidade de sair por aí deixando pegadas e colhendo lembranças e estórias.

Irei porque estou vivo.
E ponto final.

Pobre de ti, viola

Dentre os meus hábitos excêntricos, tenho carinho especial por um: saio por aí anotando tudo o que me chama a atenção no mundo.

Revisito meus apontamentos frequentemente. Na grande maioria das vezes, fico sem saber o que fazer com eles, mas sei que estão lá por algum motivo (no mínimo porque têm a louvável marca de tornar digno de destaque um momento aparentemente sem importância).

Até que, num dia qualquer, eu acabo ligando lé com cré, e desse encontro surge um assunto.

Pra exemplificar, cito uma anotação feita há tempos: “O que fizeram da música sertaneja?”

Sertão deriva de "desertão", que era como chamavam tudo o que não ficava no litoral desta terra recém-descoberta.
E tanto coisa boa saiu desse deserto...
Cresci apaixonado pelo som da viola. Já embalei-me muito nos cinco pares de cordas de Índio Cachoeira, Fernando Déghi, Arnaldo Freitas, Renato Teixeira, Almir Sater.
Chorei mais de uma dezena de vezes um choro bom, sem explicação, só de ouvir “Tocando em frente”.

E a questão é: como essa boa música se transformou nesta porcaria (perdoem-me, mas não consigo pensar em outra qualificação) que hoje nos tortura, nesta melodia pobre que chora, em duplas, motivos de corno manso, com dedo no ouvido e tremeliques no queixo?

Hoje, lendo Hobsbawm, confirmei a minha tese: “A indústria produz artigos prontos para o uso do público, e o melhor tipo de público é aquele que comparece, de maneira regular e silenciosa, que se senta no escuro para assistir ao espetáculo de boca aberta: os inúmeros espectadores que se sentam em casa, sozinhos ou em pequenos grupos, olhando o jornal ou ligando o rádio ou a televisão. Se a indústria até hoje não conseguiu fazer do público um bando de idiotas é porque o público não só não quer apenas se sentar calado, como população passiva, para assistir ao show: quer também fazer seu próprio entretenimento, participar ativamente e, o que é mais importante, socialmente.”

Obviamente, não é uma análise do “sertanejo universitário” (que, pra imensa sorte do Rorrô, não chega nem perto da Inglaterra), e sim da música pop enlatada norte-americana, em especial o rock.
Mas é inegável que cai como uma luva à nossa triste realidade.

Ao menos ajuda a entender por que tem tanta gente por aí andando com um cinto do Batman e um jeans apertando o saco.

“Pensar só nos traz alegria, saber já é outra questão”:
Será que tudo é mesmo relativo? Será que não dá pra dizer que existe o mau gosto?

Enquanto não descubro, vou curtindo a minha viola e zombando desse modismo desagradável.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Treze dias que (não) abalaram o (meu) mundo

Caramba! Faz treze dias que eu não passo por aqui... Trezentas e doze horas. Dezoito mil setecentos e vinte minutos.
E isso significa que sou mais de um milhão de segundos diferente do que eu era naquele momento, que agora parece tão distante. (E se “milhão” não fosse uma medida significativa, os reality shows perderiam metade da graça, no mínimo.)

Parti, cheguei, dormi, acordei, troquei a noite pelo dia algumas vezes (umas voluntariamente, outras não). Ri. Não me lembro de ter chorado. Ou melhor, tenho certeza: não chorei. Trabalhei, descansei. Meu coração bateu em mais de uma dezena de contratempos (nenhum dano severo, pra minha sorte). Vi pessoas casarem e pessoas se separarem (não as mesmas, pra sorte delas). Planejei uma nova viagem. Senti de novo que devo muito mais às letras do que elas a mim.

Rotina, enfim, ifilnoul-uoraimim.

Minhas pernas deram voltas,
Minha cabeça deu voltas,
O mundo deu voltas.
Eu voltei.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

As rotações

Lembro-me de quando aconteceu.

Meu pai chegou em casa com aquele trambolho que, com mais ou menos cem metros de fios, deveria conectar-se à parafernália de som (de última geração, na época).
Junto com ele, dois disquinhos reluzentes de um brilho estranho, arco-irizado.

Isso foi há o quê? Quinze anos?
Mas é engraçado como ainda os tenho na memória: um do Caetano, um da Maria Creuza.

Eram tão diferentes daquelas bolachonas pretas que dava até medo de tocar. Deram-me as instruções: pegar pelas beiradas, apertar a caixa no meio, eject, põe o disco, eject de novo, play, e voilá: estava feita a mágica.

Não gostou da outra música? Clique, e já estava lá, de novo na sua preferida.

Mas não é bem sobre o meu primeiro dos muitos contatos de quarto grau com esses alienígenas que eu queria falar.
Não. A ideia é dividir uma conclusão (angústia?) a que cheguei faz um tempinho.

Sou de uma geração – e com uma boa probabilidade, vocês também – que vivenciou um grande salto na teconologia: do LP aos nano-MP18 (opa!, já lançaram um MP19).

E não nos enganemos: isso envolve também, necessariamente, uma mudança de postura.
Somos a causa-consequência dela. Orgulhamo-nos da revolução, mas geralmente preferimos empurrar a segunda para baixo do tapete.

Ora, antigamente, tínhamos só duas opções para satisfazer nossa sede musical.

A primeira é uma das reminiscências mais prazerosas da minha infância (e prepare-se, porque se é da sua também, você se sentirá tão velho quanto eu).
Lembro que eu passava o dia todo com o rádio ligado, dedo no botãozinho vermelho, esperando o momento em que tocariam AQUELA música. Milésimos de segundos preciosos diferençavam um medíocre de um popstar nas festinhas do condomínio.
Pouco importa que a gravação viesse entremeada de infindáveis samplers com o nome da rádio, anúncios, chiados. Aquele que tinha em mãos as músicas completas podia escolher o seleto rol de amigos a quem permitiria copiá-las. E, provavelmente, também a menininha com quem trocaria beijos rituais e burocráticos em algum lugar um pouco mais escuro do playground ou da rua.

Havia também, é claro, a possibilidade de se comprar os discos.
E aparecer com um “Rap Brasil” embaixo do braço tinha mais ou menos o mesmo efeito que hoje tem uma chegada num carro importado: os meninos o tachariam logo de gordo brocha, e as meninas, de “interessante”.

Enfim, de um jeito ou de outro, era muito mais difícil ter acesso aos hits.
Deixando de lado a primeira possibilidade, ainda assim restaria aos mais afortunados apenas um jeito de ouvir a mesma música várias vezes na sequência: levantar a bunda da cadeira e, depois de contar, linha a linha, apontar novamente a agulha para a listra exata.
Convenhamos: depois de fazer isso dez vezes, ou os vizinhos chamavam a polícia ou a pessoa se estatelava no sofá, e terminava de ouvir o disco.

Hoje é tudo muito mais fácil, e não é só por causa da abençoada invenção do controle remoto.
No fim das contas, a gente acaba ouvindo só as músicas que quer (quando, claro, não é vítima dos desagradabilíssimos difusores do mau gosto, que provavelmente em conchavo com o Coisarruim insistem em nos atazanar com seus carros e celulares).

E aí até dá pra entender essa extratemporalidade excessiva do gosto bizarro das crianças e adolescentes de hoje em dia.

Se eu tivesse um i-qualquercoisa na época, possivelmente passaria o tempo todo ouvindo Xous da Xuxa e outras bizarrices mais - o que equivale mais ou menos aos Luans Santana de hoje em dia.

E o mais importante: com certeza, não teria tomado gosto por todos os rostos que, na capa, escondiam daquele petiz as boas músicas das minhas sagradas e salvadoras bolachas.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Cadê a câmera?

Que o romantismo há muito já foi pro beleléu, todo mundo já sabe.

Mas acho que pouca gente notou que estamos chegando num ponto crítico, numa esquina dos tempos... É chegado o momento em que a noção do ridículo nos flertes será, de uma vez por todas, declarada extinta.

Eu sei que você já deve estar aí, na sua, rindo.
Se você é mulher, aposto que lembrou de mais de dez cantadas daquelas que fazem pensar “Porra! Como você é mongolóide...”

Mas eu preciso dividir alguns fatos que presenciei num passado recente.
Por favor, leiam, ainda que seja só por educação.

Outro dia, por exemplo, ouvi um indivíduo lançar a seguinte pérola: “Ei! Você é de escorpião, né?”, seguida de um “É que meu signo combina mais com peixes”.

Vendo que o papo não vingava, resolveu utilizar alguma das técnicas que aprendeu num livro do tipo: “Como puxar assunto com garotas (se você realmente gostar de garotas)”.
Revisou mentalmente, e puxou a regra número um: mostrar-se interessado pela vida dela.
Com toda a sua criatividade, o máximo que conseguiu perguntar foi: “Você gosta de ser ruiva?”

Tsc, tsc, tsc...
Melhor sorte da próxima vez, valente guerreiro.

É de dar pena? Sim, não há dúvidas.

Mas aposto que se o paspalhão aí de cima tivesse visto o que eu vi na última quinta, sairia por aí com uma flor na boca e uma máscara de Don Juan.

Showzinho tranquilo, tudo em paz.

Um sujeito para ao lado da menina, olha, analisa, sorri, e lança todo o seu veneno num bote ofídico: “ié-ié”.
Assustada, a menina vira os olhos suplicantes para as amigas, implorando ajuda.
Pobre garota... É tarde demais.
As amigas, a ponto de perderem o ar de tanto rir, obviamente não têm forças pra barrar a cena. Pra falar a verdade, nem querem; o ser humanos às vezes é mau.
Quando ela olha para a frente novamente, toma um susto: o sujeito já ali, cara a cara, dando golpes de Serginho Malandro aos berros de “ié-ié, ié-ié”.

Como que implorando por um tiro de misericórdia, ela pergunta:
- O que você quer?
- Um beijo, ié-ié!

Corre o boato de que ela agora não sai mais de casa.
Desiludiu-se com a humanidade.

Andiamo!

Ela não era perfeita, mas ele sabia que era muito mais do que poderia esperar.
Bonita a ponto de fazer cabeças virarem, independente, inteligente. E o mais impressionante: ou ela fingia muito bem, ou então realmente interessava-se por aquelas suas infinitas dissertações sobre os assuntos mais chatos do mundo.

Por mais de uma vez ela chegou a repreender os amigos dele. Onde já se viu? Desde quando uma discussão sobre as influências de Godard sobre o cinema pós-contemporâneo egípcio era motivo pra riso?

Ele estava feliz, enfim.
Não tinha motivos para reclamar.

E o festival veio bem a calhar: desde que começara a estudar italiano, ele tinha passado a se interessar por aqueles filmes.
Era uma boa chance de impressioná-la. “Fazer a tchutchuca ficar pirada no papai aqui”, como constumava dizer.

Discorreu longamente. De Rossellini a Fellini, passando por de Sica.
Falou tão bonito, que ela até entrou animada (ou fingiu muito bem) na sessão.
E gostou mesmo do filme.

No final, com as letras ainda correndo, e depois de uns rápidos amassos, ele achou que havia chegado o momento de fechar com chave de ouro.
Forçando ao máximo um sotaque siciliano, sacou aquela frase que tanto havia ensaiado: “Andiamo!”

Não sei se foi por causa do barulho ou da emoção, mas ela acabou escutando um equivocado “te amo”.

Nunca mais saíram juntos.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Naftalina III

O que poderia ser diferente?
Tudo? Não, acho que há uma parte de todos nós que não mudaria, independentemente de qualquer decisão ou circunstância.
Quase tudo poderia ser de outro jeito, então.

Remexi nos armários da minha antiga casa.

Se eu fosse brega, lembraria de alguma música, e diria que joguei tanta coisa fora e vi meu passado passar por mim.
Não sou. Não esperem isso de mim. Recuso-me!

Mas no meio de tanto passado, encontrei mesmo muita coisa que me fez lembrar de tantas outras. Símbolos empoeirados de acontecimentos dos mais variados tamanhos, dos mínimos aos enormes.
Como cheguei a tornar-me eu?

Ri muito. Ri tanto... Ri mesmo do que antes me fizera chorar.

Não dá pra dizer que senti saudade. Em nenhum momento quis voltar no tempo.
(Acho que ele finalmente começa a me dar aulas sobre os infinitos modos de sentir.)

É só um prazer preguiçoso de contemplar esse alguém que fui, e que às vezes nem parece tanto assim comigo.

Se eu pudesse, guardaria tudo aquilo dentro de mim, e levaria pra onde quer que fosse.
Não posso...

Não levo comigo os papéis, mas carrego aquelas amizades, aqueles bons momentos, aquela felicidade tão louca que não dá nem pra descrever.

O que é isso? Não sei.
Mas é bom, muito bom.

E cheira à naftalina.

Naftalina II

Antes, porém, sobrevoei um passado mais recente, e também mais feliz.
Duas pontas daquela minha vida, separadas por uma baía de distância.

Como opção ao trânsito caótico da Ponte Rio-Niterói, as barcas, aqueles monstros, projetos de sucata que insistem até hoje em zanzar, devagarzinho, de um lado a outro.

E de um lado a outro meu corpo zanzava também, refém de uma vontade vacilante, ou ao menos não tão forte a ponto de se impor.

Quantas vezes saí correndo do trabalho e, catando o bilhete na carteira e esbarrando com a mochila em passageiros incautos, pulei a bordo no último instante, no tempo certo e medido de afrouxar a gravata ao som do silvo de partida.
Dali em diante, uma paz de vinte minutos com a cidade maravilhosa, luzes acesas, como pano de fundo.

Nem sei como aqueles bancos de madeira – tão frágeis, à primeira vista – sustentaram o tanto que refleti sobre a minha vida, e o peso das decisões, algumas das mais importantes. Sou capaz de lembrar de mais de uma dezena das que tomei ali, olhando para o rastro branco deixado à ré, ao som das ondas batendo no casco.

Não guardo todas na memória (e nem seria capaz), mas isso de forma alguma me nega o direito de ainda sentir o gosto doce a contrastar com o salgado do mar.

Penso no quanto eu seria diferente, não fossem tantos os bons conselhos.

Cruel destino: foi ali que decidi meu caminho. Este mesmo, que hoje passa por aqui, longe, muito longe dela.

Aldir, acho que só você me entenderá...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Naftalina I

Sabem? Às vezes, tenho aquela vontade adolescente de subverter a ordem.
Então hoje farei algo diferente: não deixarei em suspenso a explicação do título; começaremos por ele.

A crônica é tão radicada no tempo, que a própria palavra é derivada de Cronos.
E nada melhor para simbolizar a parte mais saborosa do tempo – o passado – do que aquele cheirinho de camisa tirada do fundo do armário. Aquele mesmo que invade o ar toda vez que o Fluminense consegue mais uma escapada rara e milagrosa do rebaixamento: a naftalina.

Pronto! A inversão foi proposital.

Dada a explicação quanto ao título, ninguém mais está obrigado a ler o texto até o final.
Quero que fiquem só os amigos mais chegados. Afinal, estamos todos a meio salto de um mergulho profundo na minh’alma.

Digo – e se alguém discordar, que cale, a bem da argumentação – que são poucos os que têm a oportunidade de passar tão perto de um “quase futuro” como eu.

E o “quase futuro” significa mais que uma probabilidade.
Era uma certeza, que só não chegou a acontecer porque consegui intervir no tempo certo de salvar minha pobre existência daquele porvir garantido e sem surpresas, daquela vida toda modulada dali até o fim.

Aconteceu na última quinta-feira.
Coisa rápida: os segundos exatos de um pouso na curta pista do Santos Dumont.
Mas lá estava ela, muros caiados ajudando a esconder o que eu varri há muito pra debaixo do meu tapete: a Escola Naval.

Hoje, a resposta me vem fácil, mas naquele tempo de dúvida e disciplina severas, as perguntas torturavam. E muito!
O que tinha eu a fazer em meio a toques de corneta de madrugada, rações mal ajambradas de comida e absoluta ausência de companhias com saias (e com tudo que há além delas)?

Acreditem quando digo que foram anos difíceis.

Só com muito esforço consigo lembrar do que na época sentia, alijado súbita e precocemente de uma infância mal acabada (ou de uma adolescência mal começada, como prefiram).

Tempos que serviram para me ajudar a descobrir que tratar garotos como homens não os torna homens.
Ao contrário: torna-os garotos arrogantes a ponto de tentar fazer de outros, tão garotos como eles, algo cujo significado – e consequências – eles nem sequer imaginam.
E não é nada difícil encontrar garotos de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos, brincando de educadores.
Conheci poucos, pouquíssimos, dentro do Colégio Naval que tivessem uma noção minimamente digna e coerente do que é a hombridade.
E tomei-os como o exemplo claro de que a influência do meio sobre nós é sempre temperada pelo caráter.

Ainda assim, repito: não há nada, absolutamente nada, que me faça ressentir tudo que se passou. E no “nada” incluo as formações infindáveis, as humilhações (muito) mal disfarçadas de brincadeiras, o descuido criminoso com a saúde, a irresponsabilidade no ensino e todo tipo de tortura psicológica que salpicava o abominável dia a dia na caserna.

Não minto ao dizer que, por mais que me esforce – e reconheço que a afirmação parecerá contraditória –, não consigo espanar a capa de nostalgia que cobre essa parte do meu passado.
Sobre tudo (e sobretudo), fica sempre a única herança positiva daquela vida de privações: as amizades.
Juro que nunca mais encontrei aquela cumplicidade, tipo de coisa que só existe quando uns poucos guerreiros sustentam, cada um na medida de sua força, o peso do mundo.
Nada de classis spes. “Nós poucos contra a corporação” era o absurdo lema oculto que nos fazia ao menos caminhar até a tão sonhada sexta-feira; ela que trazia – na maioria das vezes, a depender da escala de serviço – os dois santos dias de alforria com hora pra acabar.

Certa vez ouvi alguém comentar que o “Colégio Naval seleciona os melhores”. É a típica frase de um típico medíocre vestido de barretes, nós e estrelas.

Mas prestemos continência à incoerência.
Isso basta para satisfazer os egos inflamados e fardados.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

“O mendigo e o milionário” (ou “Em quem votarei nestas eleições”)

O mendigo e o milionário encontram-se no sinal. É o dia do aniversário de ambos. Quarenta anos, pode ser? (Podem mudar a idade, se quiserem; não importa...)
Digamos que nasceram exatamente no mesmo dia do mesmo mês do mesmo ano, e estamos conversados. Se você acreditar em papai noel, duendes ou signos, afirmo que os dois, mendigo e milionário, são de escorpião rosa-choque com ascendente em pônei manco africano.

Posto o quadro, faço a pergunta: quem tem mais mérito por estar vivo? Um, por ostentar três pontes de safena (resultado praticamente inevitável de mais de vinte anos de estudo – árduo e sério – e de uma rotina de trabalho escravo-contemporânea)? Ou o outro, por sobreviver tanto tempo com um suprimento inacreditavalmente baixo de tudo quanto é necessário para manter a vida até de um recém-nascido?

Sinceramente, não sei.

Se a pergunta fosse colocada de outra forma, no tempo exato de segundos que dura a cor vermelha do sinal, não teria dúvidas em responder: “ora, mais do que ter as oportunidades na vida, é preciso aproveitá-las”.

Mas aí penso: será que sou imparcial o suficiente? Ou eu estou simplesmente encarnando a problemática, pra afirmar que tive, sim, as chances – é inegável – mas não tirem meus méritos por tê-las aproveitado?

Neste sentido, sinto-me muito mais próximo do primeiro (exceto na parte do milhão, vejam bem).

Só que não me permito mais essa mentalidade liberal que iguala milionários e mendigos.

Mendigo e milionário no Brasil são, desde o berço (aos felizardos que o têm), seres tão diferentes que quase se pode dizer que não são da mesma espécie: há, perdoem o mau latim, o homo brasileirus pobris e o homo brasileirus ricus.
Às duas se dá o direito de sonhar, só a uma o de realizar.
Só uma delas – adivinhem qual! – ganha por herança terras, boa educação, saúde, cultura, posição social

Sei que, neste momento, vocês estão se perguntando: aonde isto aqui vai chegar?
E a partir de agora tento esclarecer.

Demorei tempo demais pra me convencer da justiça e efetividade de algumas políticas, dentre elas a cota nas universidades e os programas assistencialistas (sim, falo mesmo do Bolsa Família).

Jurei que, nestas eleições, não tomaria partido (com “pê” minúsculo, mesmo, porque nos “pês” maiúsculos já não tenho mais qualquer confiança nem esperança daquelas infanto-estudantis).

De comum nesses dois parágrafos aí de cima, a inércia. E, cá entre nós, no fim das contas não sair de cima do muro já é uma escolha, ainda que a mais hipócrita e vergonhosa delas.

Ora, antes que se discuta qualquer projeto sério de país (ou de qualquer outro ambiente social, micro ou macro) é necessário antes de tudo que sejam todos minimamente educados, que tenham uma condição digna de saúde, e, o mais importante: que estejam de barriga cheia.
Devem receber ajuda em troca do quê!? De nada. Tudo pela simples condição de serem humanos.

E aqui ligo todas as pontas deste texto esquizofrênico: simplesmente não pode haver a opção de não salvar os miseráveis.
Duzentos reais pra encher o próprio bucho e o da família. É pouco? Muito? Distribuído de forma errada? Tem fraude? Tudo deve ser revisto, mas não dá pra negar que o assistencialismo é ainda necessário no Brasil. E será por muito tempo.

Detesto o PT tanto quanto detesto o PSDB. Como diria Aldir, não teriam meu voto nem para síndico do prédio (e me refiro a praticamente todos os “pês”, todos eles iguais, os que não são piores), mas tenho a certeza de que “nunca na história deste país” a questão da desigualdade foi discutida tão amplamente pela sociedade. E já é um projeto vencedor, tanto que nem sequer a direita – se é que já não viraram todos ambidestros – ousa propor uma mudança radical.

Nem Dilma nem Serra estão à altura de dirigir o Brasil da maneira como ele precisa. Juro que levo um susto toda vez que, distraído, olho pra um dos dois sorrisos (e espero que todos entendam que digo isso por metonímia). Ambos são, na minha opinião, ruins. Muito ruins!
(Para não deixar dúvida: o Lula também está nesse mesmo grupo.)

Mas, na falta de terceira opção, votarei pela continuidade de um projeto que, se não mudou o país, ao menos colocou o primeiro tijolo.
O caminho está errado? Talvez. Só que ao menos já estamos olhando para o lado certo. “Pela primeira vez”, se conheço bem esta Pindorama.

De todo modo, torcerei (e muito) para que a sociedade já tenha adquirido maturidade suficiente para que, caso no final vencida a situação, possa freiar a reentrega do poder absoluto aos homo ricus, ao milionário.

Pronto. Para o bem ou para o mal, não me permitirei calar. É este o meu voto: Dilma.
E com isso não pretendo afirmar que outro voto, talvez o seu, esteja errado.
Já ficarei feliz se todo mundo se propuser a, no mínimo, pensar melhor sobre o assunto.

Ah! O sinal já abriu faz tempo, mas continuo envergonhado (de mim) por saber que vivo num mundo onde ainda existe a fome. E que ainda há gente que não põe o problema como absoluta prioridade.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Avante, HTR!

Que fique bem claro: não tenho absolutamente nada contra.
Admito que ainda fico um pouco constrangido... Mas, pelo andar da carruagem, é bom que se saiba que qualquer bípede que queira manter uma vida social saudável num futuro próximo precisará acostumar-se a um convívio, digamos assim, sexualmente democrático.

Só que bem que podiam ter me avisado.
Se eu soubesse que o lugar era desse jeito, ao menos não teria posto aquela minha camisa do “Peru Wars”.
Pegou mal! Muito mal...

Aliás, logo que cheguei, já fiquei meio na dúvida.
A primeira coisa que vi foi uma mão peluda em cima de um ombro peludo.
“Opa! Peralá. Será que entrei no lugar certo?”

Mas eles estavam lá: Juan e Dan Catupiri, acuados no canto, formavam o reduzidíssimo núcleo hetero do quiz.

Pensei em dar meia volta e sair correndo, mas os quatro braços içados em movimentos frenéticos já denunciavam que eu tinha sido visto.

Não sei quem fui que deu a brilhante ideia de afirmar, no nome do grupo, nossa ortodoxa opção sexual: HTR. Imperceptível, né?
Mesmo assim houve um arremedo de preocupação no grupo: “Se vierem bater na gente, eu digo que o R é porque eu me chamo Ruan!”, foi o que se ouviu.

Pois bem. Começada a apuração, veio uma sequência ininterrupta de comemorações coreografadas e gritos em falsete.

Para surpresa geral, a equipe vencedora da primeira rodada, com esmagadora vantagem, foi a... HTR!
A bem da verdade, graças a Juan (com J ou R, tanto faz), nosso grande guru da cultura útil e inútil (alguém mais sabe os nomes das filhas da Baby do Brasil?*).

Anunciada no microfone, durou cerca de dois segundos a sutileza da piada:
- HTR? Será que é de hetero??? – levantou-se uma voz.
- R é de rosca! – gritou outra, visivelmente perturbada.

Pior pra Ruan... Foi o R dele que foi pra berlinda.



* Ele sabe: Sara Sheeva, Nãna Shara e Zabelê.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Um uiquéndi com vocês - Parte X - caradepau.com

Quem gosta de Seinfeld bate aqui!
Uhu! Sabia que vocês não iriam me decepcionar...
Este aqui é mesmo o império do bom gosto.

Pois naquele momento, estávamos mesmo falando sobre aquele episódio em que o Jerry esquece o nome da mulher com quem está saindo.
Depois de tentar tudo quanto era possível para descobrir, ele tenta a sorte. E erra.

E vocês? O que fariam?
Era exatamente a discussão que rolava ali.

De repente, não mais que de repente, ouve-se aquele “plic”. Inconfundível: caiu alguma ficha.

Uma pessoa que eu não digo quem é nem que me cortem o pescoço [passando o indicador horizontalmente na garganta, apontando pra Hermana] começa a perceber que aquilo poderia, sim, estar acontecendo com ela.

Rá, rá, rá... Risadas gerais.
Seria mesmo verdade?

Hector comenta, só por gaiatice:
- Só falta ele mandar uma mensagem pedindo o seu e-mail...

Rá, rá, rá, barulho de mensagem: “Oi, princesa! Me passa o seu e-mail.”

Ah!, não...
Aonde este mundo vai parar?!

Só pra deixar registrado: Hector jamais esqueceria o nome de vocês, meninas!

Um uiquéndi com vocês - Parte IX - Love is in the air

Não vou mentir.
Quando o garçom falou que a mesa teria que ser dividida com outros dois casais, vi que Hermana e Senquévis torceram o nariz.
Mas eu já conhecia a picanha do lugar, e a minha fome não estava dando muita brecha para negociações. Ainda menos se tivessem alguma coisa a ver com atraso.
Assumi o risco pela decisão unilateral, enfim.

E não é que foi bom?

Começamos com as bebidas, e logo interceptamos um papo interessantíssimo: quando eu namorava a Marcinha, blablablá, quando eu namorei a Paulinha, blablablá, uma vez eu saí com a Fernandinha, blablablá.
Sem dúvida, ali havia potencial para um bom barraco!
E não deu outra: “Caceta! Eu não sabia que você era tão galinha!”!

Rá, rá, rá.
Nada como um bom escândalo pra abrir o apetite.
Dá um alívio... A gente sempre pensa: “que bom que não sou eu que estou levando esporro!”

E não é que aquela mesa ainda guardava mais surpresas?

Todo mundo já de pança cheia, e o outro “calsalzinho” ali do lado, só de amores:
- Óun, meu cuticuticuti, quer uma sobremesinha – dizia ele, falando com a namorada como se fosse com um bebê.
- Aí, eu vô engodá e você vá me trocá – respondia ela, fazendo beicinho.

Aquela típica conversa irritante que causa em qualquer ser com o mínimo bom senso uma repulsa invencível. Além da tradicional vergonha alheia, por supuesto.

Mas sou capaz de apostar que o diálogo no carro não teve tanto gutiguti.

Isso porque, na hora que a pobre menina foi levantar, deu uma cabeçada sonora no teto (que, atrás dela, não me perguntem por que, fazia um “v” com a parede).

E o namorado? Correu pra ajudar? Que nada!
Soltou só um: “Car&*$%! Eu não disse pra tomar cuidado sua... sua... sua...” (o restaurante todo olhando, na expectativa) “sua... tapada”.

Foi tanto tempo pensando no adjetivo, que eu fiquei na maior curiosidade de saber o que tinha vindo primeiro na cabeça dele.
Até porque, se terminou no “tapada”, devia ser coisa quente!

O que aconteceu com eles, não sei.
A última cena que eles nos proporcionaram foi uma esquivada acrobática de um beijo potencialmente apaziguador.
Mas digo que não vou me surpreender nada, nada, se ela já estiver fazendo beicinho pra outro.

La dolce vita

Hoje foi um dia histórico.
Peguei todos os sinais abertos, de casa ao trabalho. Sete ao total.

Não me lembro de nenhuma vez em que isso tenha acontecido comigo.

Agora, minha natureza cética me impede de ver qualquer sinal nesses sinais.
Mas devo confessar que antes de ligar meu interruptor de bom senso, quase cheguei a acreditar em uma força metafísica manipulando os controles de engenharia de tráfego.

Nem tanto por causa da agradável coincidência (que me economizou uns cinco minutos); acho que mais porque eu simplesmente não posso negar que sopram bons ventos.

E aí, penso cá com meus botões: são sempre os meus textos que aturam meus maus momentos, meu sarcasmo às vezes nada amigável, e todos os meus “ene” jeitos de desabafar.
É justo então que eu preencha pelo menos algumas linhas com uma modesta felicidade.

Nenhum acontecimento excepcional.
Não ganhei na loteria, não fui promovido, meu time tem levado mais gols do que marcado. Não recebi declarações de amor, não fui eleito mister universo. Nem mister país, nem estado, nem cidade. Acho que nem sequer mister meu quarto.

Mas me sinto bem comigo e com os de quem eu gosto. E mesmo com os que amo (e olha que sou bastante exigente no particular).

Por quê?
Sei lá! Tudo passou a fluir bem.
Ou talvez nada tenha mudado, exceto eu.

Aliás, não estou me importando muito em procurar explicações.

E o meu café?
Sem açúcar, por favor. De doce, já basta a vida.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Um uiquéndi com vocês - Parte VIII - Demi sec ou rosé? Ah! Traz os dois...

Havia um, e só um, lugar que Hermana e Senquévis faziam questão de conhecer.
Pão de açúcar, Corcovado, Ipanema, Lagoa? Que nada! Quem disse que eles estavam na cidade maravilhosa para fazer turismo?
O que queriam mesmo era saber como é a tal da champanheria.

E Hector, como bom anfitrião, não poderia deixar de atender aos efusivos desejos dos amigos.

Como já era de se esperar – considerado o preço médio da especialidade local –, escolheram as bebidas com base na coluna da direita do cardápio.
E não sei se foi de tanto olhar para aquele lado que Senquévis e Hermana acabaram saindo de lá tortos (muito embora a descrição mais exata tenha algo a ver com “engatinhar”).

Enfim, insaciáveis como são, insistiram em prorrogar sua noite com bebidas, digamos assim, menos nobres.
No popular, afogaram o restante de seus fígados em infindáveis baldes de cerveja.

E houve quem não tenha conseguido lidar com a mistura.

Hermana, por exemplo, não pôde dormir naquela noite.
Berrava que iria se recusar a ficar em casa com os... fantasmas!

Ah!, pobre menina provinciana...
Acho que o champanhe ainda não chegou por aquelas bandas.

Um uiquéndi com vocês - Parte VII - Mochila, etc

O óbvio: é possível saber muito sobre alguém só pelas roupas e pelos acessórios que ela veste.

Por isso, todo mundo achou meio estranho quando Senquévis saiu para dar um passeio com a mochila nas costas. O que haveria de tão importante ali?

E o mistério permaneceu bem guardado por um bom tempo.

Mais precisamente, até a hora do café na Confeitaria Colombo.
Bastou Hermana perguntar se alguém tinha uma caneta, que Senquévis, veloz feito um leopardo, sacou de suas costas um estojo completo. Lápis, lapiseira, esferográfica, marca texto, borracha, corretivo. Tudo de que absolutamente não se precisa numa tarde de sexta-feira no Rio.

Ficamos todos sem entender o porquê de tanto grude com o material escolar.
Alguma trauma infantil? Teria o polaco sido alguma vez severamente castigado na escola por esquecer suas canetas?

Ninguém sabe.
Mas consigo até imaginá-lo, ao som da 9ª sinfonia, beijando tampinha por tampinha e dizendo com voz melosa: “Viram? Eu não jurei que a gente nunca mais se separaria?”

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um uiquéndi com vocês - Parte VI - “Bater perna”,

...no imenso dicionário de sabedoria popular, significa andar, caminhar sem rumo.

Mas, eu, na minha infinita ignorância, nunca tinha compreendido a fundo o sentido da expressão.

Aliás, o que há de tão especial nas pernas?
Elas são, como a maior parte do restante, ossos envolvidos em pedaços de carne.
Não têm quase nada de excepcional; sem grandes curvas, sem desenhos, quase nenhuma articulação.
Mas não posso negar que, ainda assim, sou seu grande fã.

E, palavra de entendedor, mesmo com tantas pernas espalhadas por aí, acredito piamente que é impossível encontrar dois pares iguais.

E aquele par, "djesus!", era simplesmente de enlouquecer.

Tanto que guiou não só os próprios passos pelo Centro da cidade, mas também – e principalmente – os nossos.

Confesso que nunca gostei tanto de bater perna.

Um uiquéndi com vocês - Parte V - Um'o quê?!

Perdoem-me. Não consigo pensar em sequer um comentário publicável.
Fiquem só com a foto, portanto.


Jogo da comida suspeita

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Auto-ajudem-se

Sempre às quartas-feiras ocorre um importantíssimo evento gastronômico, seguido de um cafezinho na livraria.

Nesses dias, são assunto recorrente os “livros” que ficam na primeira prateleira da loja. Isso. Aqueles: “História da religião em quadrinhos para crianças com baixo QI”, “Wonderland – escrito pelo espírito Michael Jackson”, “Lady Gaga – A história de uma diva” e, principalmente, quilos (é essa a unidade de medida mais adequada à qualidade) de obras de auto-ajuda.
O atestado de óbito literário dos pretensos escritores, grosso modo.

E foi num desses encontros que surgiu a ideia para um futuro best seller que escreverei, contando, é claro, com as sempre pertinentes ilustrações de Juan: “Como seu namorado não descobrir que você é uma psicopata que lê livros de auto-ajuda (para a hipótese, improvável, de você arranjar um)”®.

É verdade que o papel aceita qualquer coisa. Então o que me surpreende é que alguém se disponha a ler esse tipo de porcaria.
Mas eu, que quero mesmo é encher o meu bolso de bufunfa, não estou nem aí pra isso.

Aguardem!
Na prateleira mais próxima da entrada da livraria mais perto de sua casa.

Um uiquéndi com vocês - Parte IV - Planeta água

Venho correndo na praia.
Ao meu encontro, corre uma mulher maravilhosa.
Cabelos ao vento, passo a passo a distância vai diminuindo.
Chegando bem perto, ela põe as mãos pra trás e... tira o biquini?! Não! Puxa uma garrafa de água mineral, bem gelada!

Mergulho numa lagoa cristalina.
A placa informa: “água própria para consumo”.

O diabo pergunta o preço da minha alma.
“Vendo por cinco litros de água mineral”.

Ok.
Aqueles três sonhos todos em sequência queriam dizer alguma coisa.
Se os neurônios estão insistindo em gastar suas últimas sinapses desse jeito, eu não posso ignorá-los. Estou com sede. É inegável. Definitivamente, não foi uma boa ideia deixar pra comprar água na hora de levantar.

Acordo e vejo um mendigo ocupando um sofá com mais ou menos metade do tamanho dele.

Ei! Que estranho... Um mendigo polonês?
Ah!, não. É só o Senquévis.
Deve ter chegado de madrugada.

Reviro as malas dele.
Deve ter uma garrafinha de água escondida no meio desse montão de cremes...

Droga! O polaco acordou.
Agarro o potinho e saio correndo para o corredor... “My precious!”

Bebo até a última gota.
Aaaaaaaaaaaaaah! Alívio!

Opa!
Isto não é água... É... nham, nham, nham... loção hidratante para unhas?!

Caramba! Quatro sonhos seguidos?
Realmente, é hora de acordar...

Um uiquéndi com vocês - Parte III - Rala coxa

O “de leve” acabou atravessando a rua e, com malas e tudo mais, caindo no gandaia.

Juntaram-se à trupe Hermana e suas bugigangas, bem a tempo de ver um conflito intercultural chegando ao seu limite de tensão.
Não exagero quando digo que, por pouco, não se tornou um incidente diplomático. Foi só por esse tiquinho aqui ó que não presenciamos uma nova morte de Francisco Ferdinando.

Explico.

A gringa, como era de se imaginar, sambava sem qualquer ginga, mas destilando sua inacreditável inocência.
Era como se fosse a passista no carnaval do mundo de poliana.

Temos que admitir que parecia presa fácil.

Não demorou muito para que se juntassem à sua volta, surgidos das catacumbas das noitadas, aqueles seres que conseguem ser descartados pelas mulheres até no bate-papo do Uol.

O mais afoito pulou em cima como um náufrago que se agarra à tábua da salvação.
E foi um tal de passinho pra cá, passinho pra lá, cheirada no cabelo, piadinha no ouvido, piscadela pros amigos.
Brincando, brincando, passou uma meia hora...

Tudo ia muito bem, até que o aventureiro, já agradecendo à mãe por obrigá-lo àquelas aulas chatíssimas de Inglês, resolveu colher seu prêmio por toda a atenção dispensada.
Fechou os olhos, fez biquinho e... quase levou um tapa na cara.

“Você não é gay?!”

Pobre guerreiro.
Se fosse só um fora, tudo bem, ele já estava mais do que acostumado. Era praticamente rotina.
Mas aquilo era uma afronta à sua auto-estima reconquistada há poucos minutos.

Ficou tão indignado que precisaram retirar às pressas a americana, ainda incrédula.
Saiu jurando que nunca mais poria os pés num país onde não se pode sequer ralar as coxas inocentemente com um novo amigo...

Um uiquéndi com vocês - Parte II - Mai neimi is Will... Willsky

Não há qualquer explicação para o grave lapso.

Ajoelho no milho, dou a mão à palmatória, submeto-me a uma sessão de cinco minutos ininterruptos de Victor e Leo (conto com sua clemência em comutar a última parte da pena em chicotadas). Imploro perdão, enfim.

Afinal, como posso ter deixado de fora durante tanto tempo ele, o protagonista de sete entre dez das melhores estórias da juventude carioca?

A proporção até seria maior, quiçá dez em dez, se nas outras três ele simplesmente não furasse na maior cara de pau, sem dar qualquer satisfação.
Acho que ele não faz por mal.
O problema é que aquele pobre coração boêmio às vezes o convence de que pode estar ao mesmo tempo numa confraternização do trabalho no Leblon, numa festinha do pessoal da faculdade em Nova Iguaçu e, é claro, batendo ponto no Rio Scenarium (onde diariamente cumprimenta seguranças, pergunta sobre a filha do faxineiro e informa à mulher do caixa que “sim, consegui chegar em casa, sim, o problema é que eu não posso beber tequila”).

Refiro-me ao Willsky, mas podem chamá-lo de Will.
É bonitinho. O apelido, não ele.

"Well", Will é, como eu dizia, a personagem principal das estórias mais cabulosas que já vi e ouvi.
Podem apostar que, se um dia eu vencer o que resta de meu limite moral, escreverei um livro só sobre elas.
Mas por enquanto confesso que esse resquício de vergonha ainda me faz vexar com as simples lembranças.

Sendo assim, é bom vocês se contentarem em saber que, naquela quinta-feira, nos encontramos, eu, Lete, Will, e Pimp, “só pra um chopinho de leve”, e relembramos alguns daqueles bons momentos, deixando em estado de perplexo choque todas as mesas vizinhas.

"De leve"?! Ora! Quem eu quero enganar?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Em época de eleição...

Política é coisa que se discute na tevê, nas salas de aula, nas mesas de bar, até no meio da rua.
Mas será que política e banheiros combinam? Além, é claro, daquelas típicas analogias nada dignificantes?

"Às vezes", eu afirmo.

Há aqueles seres que, de tanto engajamento, não conseguem largar o assunto nem ao satisfazer suas necessidades mais vitais.

Vejam, por exemplo, este colóquio sanitário de altíssimo nível:


No lugar dos “Marcinha garganta profunda: nove nove nove nove meia mole meia dura” e “Sou uma pantera faminta e estou procurando um macho: bichaboiola@gaymail.com”, nada como ver um bom bate-papo construtivo. Né não?

Em algum banheiro próximo à sua casa...


(Disclaimer ao TRE: As opiniões rabiscadas na parede do banheiro não necessariamente coincidem com a posição do blogueiro.)

Uma pequena crônica sobre a crônica

Em primeiro lugar, me perdoem pela ausência.
Passei estes últimos dias trabalhando em um assunto mais (a)palpável que o blog: juntar a este sorriso talhado um corpo sarado. No caso, o meu.

Mas não vou enchê-los com aqueles papos interessantíssimos de academia: “Pô! Você levanta quantos quilos no supino?”

Meu deus! Por que é que estou falando sobre isso?
Não tem absolutamente nada a ver com a real intenção deste post.

Voltemos ao assunto.

Hoje, atrasando um pouquinho meu compromisso diário mais importante, decidi assistir a um pedaço da participação do Arnaldo Bloch num programa de tevê.
Comecei a ver porque uma coincidência me chamou a atenção: o título do livro dele, Irmãos Karamabloch, é uma paródia escancarada exatamente daquele que eu estou lendo (não agora; agora estou escrevendo).

Bem, comecei por isso, mas continuei porque ficou interessante.

“Eu sempre sei que vou terminar uma crônica”.

E realmente é verdade...

Neste sentido, "cronicar" é muito mais fácil do que romancear.
Pega um assunto, vai escrevendo o que vem à cabeça, e voilà...
Não precisa se dar ao trabalho de fazer a parte chata. Criar perfil psicológico de personagem, ambientação, emaranhado de estórias, etc, etc, etc? Deixemos isso para eles, e vamos ao que interessa!

Mas há também um lado infinitamente mais complexo: como criar emoções num espaço tão curto (às vezes, no tempo de uma ida ao banheiro ou da saída do chefe para um cafezinho)?

E aí está toda a graça da crônica, e é por isso que eu a prefiro aos romances.
É também o motivo por que ela só tem valor se for intensa, se interessar da primeira à última linha, se for um tapa na cara (no bom sentido) do leitor.

Só assim é que, mesmo nesse espacinho de poucas linhas, consegue fazer rir, pensar, às vezes até chorar.

Se não for hiperbólica, não tem graça.
Nem na literatura, nem na vida, aliás.

Mas agora eu fiquei curioso: quanto é mesmo que você pega no supino?

domingo, 19 de setembro de 2010

Um uiquéndi com vocês - Parte I - O cansaço me impede de pensar num título

“Lalarilalááááááááá... Um weekend com você.”
Era o que já cantava a Blitz na época em que ainda se podia falar o nome da banda sem o risco de o motorista pular do carro em movimento e sair correndo do bafômetro como o diabo foge da cruz.

Mas os uiquéndis são sempre bons, e isso ninguém pode negar.

Há pessoas, como eu, que vivem uma vida confessadamente voltada para eles.
Falam(os) dos dias daquele jeito esquisito: quatro, três, dois, um, sexta, sábado, domingo.

E este último fim de semana poderia ter sido só como os outros: bom pra caramba.

Mas houve algo que o fez ser melhor ainda.
Há duas explicações para o fenômeno, e não sei qual teve maior influência no resultado.

A primeira foi o raro alinhamento entre Urso Polar, Marte, Vênus e Mercúrio, tudo isso com ascendente em escorpião dourado de bolinhas vermelhas.

A outra possível razão foi a visita de Hermana e Senquévis à cidade maravilhosa.

Quem viver saberá (quase) exatamente o que aconteceu.

E é bom deixar registrado: se nesse meio tempo eu sofrer algum tipo de atentado, vocês já sabem onde procurar os suspeitos.
Há gente muito preocupada com o que será escrito aqui. E com razão.

Comentário de vovó

"Hector, se você não fosse professor de lambaeróbica, seria comediante."

Até agora não entendi - juro! - se o comentário foi bom ou ruim.
Mas tenho um péssimo palpite.

Sofrimento HD

Houve uma mudança muito significativa do meu último campeonato brasileiro para este, e não me refiro à drástica variação de perspectiva título-rebaixamento.

Na verdade, este ano, vejo tudo em alta definição...

São não sei quantas milhões de linhas de imagem para você, sócio première, não perder nenhum detalhe dos jogos do seu time de coração.
Nada de propaganda enganosa; pura verdade!

E é um tal de ver pixotada HD, passe errado HD, furada HD, tropeção HD, cuspida HD, tirada de meleca HD...

Dá uma saudaaaaade do tempo do radinho.

Bruuuuuuuuuuuuu!
Tremo só de pensar que poderia ter visto o Junior Baiano HD...

Vós cutucais, eles cutucam

Ora, ora...

Ainda curtindo aquele estado famélico e quase fantasmagórico típico das voltas de viagem, me deparo com ele, o recado: “conheço uma pessoa que entrou no seu blog, e disse que gastou uma tarde inteirinha nele”.
Como prova irrefutável, um link.

Juro que mesmo assim ainda me custou um tanto acreditar.
Seria spam?
Será que, ao clicar no endereço, um exército de vírus danados invadiria meu pobre companheiro de tantas estórias?

Improvável. Mensagem muito específica
Valia a pena o risco.

Estava lá. Éramos eu e ele.
E ele era um banho de satisfação pessoal. Daqueles com direito a óleos, chocolates, espumas, velas aromáticas e outras frescurites mais.

(“Controlcezei” de lá, e “controlvezei” aqui embaixo. Tudo – claro! – com os devidos créditos, porque não há nada pior para nós, escritores de fundo de quintal, do que o estelionato literário.)

Fato é que, no início por obsequiosa retribuição, e poucas linhas depois já por arrebatadora empatia, também li todos os posts.
Fui conquistado.
Linguagem simples e direta. Como tem que ser.

Quem tem o que dizer (ou escrever) abdica sem dó daquele, bocejo, estilo jurídico-obituário que vem dominando o nosso dia a dia, dos jornais aos avisos no elevador do condomínio.
“Favor não jogar lixo no mesmo. Grato, À administração”

Mari, não sei se, tal como você escreveu, seus momentos criativos são exatamente aqueles em que está triste.
Mas tenha a certeza de que, se forem, não há neste mundão-de-meu-deus qualquer forma de achar que os seus textos são melancólicos...

Mantenha o hábito, portanto. A eficiência terapêutica é garantida, e nós, leitores, acabamos ganhando de lambuja mais algumas boas linhas.


“Vagos devaneios ao fim de um dia de exaustivo trabalho...

Era o que isso seria se eu tivesse tido um exaustivo dia de trabalho, mas não!
Empolgada com meu ‘ex-futuro-e quase nunca mais de todo coração’, passei a tarde in-tei-ri-nha cutucando blogs alheios, dá pra acreditar?
O de hoje foi ‘bobagensmentiras’. Garimpei lá no okut da Ariane, aquela à quem eu me candidatei ao posto de amiga de înfância. Mas esse é um próximo capítulo , e ainda vai render um post.
Li o blog inteirinho!!! do primeiro ao último post! Só não comentei porque não consegui, (lembra da minha ignorância cibernética? Pois sim.) mas ganhei um bom humor tremendo, galopante, estraçalhante! Rolei de rir!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Muito bom! Muito bom!

Saí de lá cheinha de assuntos novos, relembrei cada episódio... Fiz um monte de anotações em um dos meus milhares de cadernos onde se anota qualquer coisa, até o que é muito importante, but, sorry baby... Ficou tarde e eu tenho uma longa viagem de 50 minutos pela frente.

Aaaai que bom humor!!
Aaaai que vida boa!”


(Do blog “De todo coração...”)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Promessa é dívida,

e há gente que cumpre o que promete.

Vejam, por exemplo, o compromisso firmado aqui.

Vocês certamente já notaram de quem são estes traços aqui embaixo...
É mesmo ele, nosso Dalí tupiniquim, nosso Rembrandt tropical.

Aquele que, mesmo do alto do seu consagrado trabalho (no qual se incluem obras-primas como "Menina bonita e amigas"), nunca deixou de lado as amizades que o apoiaram no início de sua brilhante carreira.

Então, Juan, esteja onde estiver, nas galerias de Nova Iorque ou em seu ateliê parisiense, saiba que nós sempre admiramos e sempre admiraremos o seu trabalho!


Chavaina Pocotó

Gênios

Andava tranquilo pela rua, e de repente chutou um negócio.

Opa! Que isso? Óóóóóó...Uma lâmpada mágica (obviamente, ele só descobriu que era mágica depois, mas estou meio sem saco pra contar a estória toda).

Esfrega, esfrega, esfrega, sai o gênio. Já meio velhinho, é verdade, mas ainda assim devia ter algum poder:

- Você tem direito a um desejo, meu filho.
- Quê? Como assim? Não são três?
- Tá de sacanagem, né? Olha pra mim. Você deu sorte de eu não ter morrido aqui, mais de mil anos dentro dessa lâmpada apertada. E além disso ainda tem a crise... Investi em ações da Petrobras, acredita?
- Se é assim, quero que você ressuscite a minha mãe!
- Que isso, meu filho?! Tá pensando que é assim? Eu tenho que seguir as regras... Faço coisas difíceis, mas elas têm que ser, no mínimo, possíveis. Pede outra coisa.
- Pô! Eu tenho vinte e cinco anos... Nunca vi meu time ganhar um campeonato brasileiro! Então, é o meu desejo: quero que ele seja campeão!
- Tá vendo, meu filho? Há sempre coisas importantes que a gente pode pedir. Qual é o seu time?
- Fluminense!
- Faz o seguinte: me dá o nome completo da sua mãe e o cemitério onde ela está enterrada. Vou ver o que eu posso fazer.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Modéstia à parte, meus senhores

Bem que eu gostaria de poder dizer: “nasci lá”.
Mas não posso. A verdade e uma certa dose de preciosismo me impedem.

Infelizmente, não sou mais daquele tempo em que as pessoas vinham ao mundo nas suas casas, e décadas depois ainda podiam dizer com uma pontinha de orgulho: “nasci e cresci aqui”.
Davam a impressão de querer mostrar que eram fiéis a um não sei o quê, assinando a obra em conjunto com o acaso: "por que não nasci em outro lugar? Por que não quis, oras. Ah! Houve também o destino, mas não faria diferença, mesmo."
Mas era bonito... Sem dúvida, era bonito.

Não. Como a grande maioria de vocês – se não todos – nasci na maternidade.
Mas posso assegurar-lhes: logo que os médicos concluíram que a minha frágil respiração e meus incipientes batimentos de neófito eram suficientes para encarar as crueldades do mundo, fiz(eram - meus pais, não os médicos) daquele lugar minha morada.

Dispensável dizer que esse meu curto período experimental no berçário não afetou em nada este meu orgulho suburbano.

Suburbano porque a Vila (e não me obriguem a completar com o Isabel, porque soa como uma formalidade que eu em absoluto não tenho com ela) fica no subúrbio.

É um lugar que nasceu quilombo, e isso diz muito.
É preta. É linda...

Talvez por isso seu ritmo, inigualável.

A parada de ônibus em frente ao Petisco, um lanche no Ponto de Cem Réis, a fábrica de tecidos, que eu cruzava todos os dias... Tudo parte da minha criação.
E era bom andar por lá vendo música concreta em cada canto daquele cotidiano.

As calçadas da Vila são partituras (e não é só metáfora).

Foi sobre elas aliás que tive a primeira amostra de tudo o que a vida depois me enfiaria goela abaixo em doses adultas, às vezes até cavalares: guerras, paz, conquistas, decepções, amigos, amores. E, é claro, o samba.

De tudo nesse meu destino, só uma queixa: por que não no tempo de Noel? Quem sabe até uma parceria eventual numa noite qualquer de boemia...

Quebra minha Canoa - Parte VI - Cinco reais

E foi só seguindo sua pista que conseguiram encontrar.

- Pelo amor de deus! Tem carvão?
- Quanto?
- Como assim quanto?! Quanto é?
- Cinco reais.
("Cinco reais" um saco? Um quilo?)
- Ok. Vou levar.
- Quanto?
- Errrr... - experimentou levantar dois dedos, ainda sem saber se tinha pedido dois quilos ou duas árvores.
- Ih! Quanto é dois? Vê aqui... – e, num enorme saco escondido atrás da lata de lixo, abraçou uma quantidade expressiva de carvão, jogando tudo numa sacola de supermercado – Isso aqui tá bom?
- Mais um pouquinho só – disse Hector. Nem precisava, mas a curiosidade irresistível de tentar, no final, descobrir qual era o sistema de apreçamento do negócio era mais forte.
Outro abraço no saco gigante, e mais um sacola de supermercado nas mãos.
- Quanto é?
- Cinco reais...

E devo dizer que o “cinco reais” foi falado com um ar de superioridade que dizia: “que cara maluco, não faz nem dois minutos que eu disse o preço”.

Saiu da loja ainda confuso, uma neblina que deve ser comum naqueles que reemergem de um mundo misterioso e incompreensível. Mas estava contente. Eram quatro da tarde, e finalmente o churrasco começaria.

Não sabia exatamente o que era real, o que era fome.

Do lado de fora, Senquévis, tamanho era o seu nojo, conseguia esticar o braço no dobro de seu real comprimento. Era um verdadeiro homem elástico.
Pudera... Não sei se de propósito ou sem querer, puseram logo ele para carregar as carnes.

“Eu não vou levar esse cadáver” – gritava.

Hector passou direto, fingindo (só fingindo) não escutar.

Tudo parecia só um sonho maluco...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quebra minha Canoa - Parte V - O encontro

Era um casebre acima de qualquer suspeita.

Na porta, um senhor cofiava o bigode e fumava tranquilamente um cigarro, na austera companhia de um cachorro, que – não duvido – devia ter um merecido nome de “Matador”, ou algo que o valha.

- Quero falar com o Seu Manel, por favor.
- Quem deseja?
- Eu.
- Você é de onde?
- Tem carvão? – habilmente, driblava as perguntas pessoais, inconvenientes.
- Isso eu tenho que ver com o Manel, meu marido.

Era difícil de acreditar.
Aquele ser bigodudo na porta não era um homem, mas uma mulher.
Sopesou: “se ela tem testosterona desse jeito, imagine ele...”

As pernas bambearam.

Para sua surpresa, um ser franzino, delicado, vestido unicamente de short e chinelas sorriu simpaticamente para ele.
Certamente pensou: “ao menos, é corajoso”.

- Olha, aqui comigo acabou, tente ver no Mercadinho lá de baixo. Use a senha “pelo amor de deus! Tem carvão?”.

Pensando melhor, não lembro bem se ele disse essa última frase.
Mas ela certamente ficou subentendida no seu sorriso jovial, no seu olhar maroto.

Hector ainda deu três passos pra trás, testando as reações.
Soltariam o Matador (ou Sultão, ou Thor, ou Bruno) em cima dele?
Iria querer apagar a provável única testemunha do mundo exterior? Aquele que tinha visto sua casa, seu rosto, seu cachorro e até o bigode de sua mulher?

Não.
Ele era experiente. Provavelmente, já tinha assistido a “O Poderoso Chefão” mais de mil vezes... Sabia, só pelo olhar, quem era perigo e quem não era.

E Hector era apenas um medroso desesperado, tentando provar a si mesmo e aos amigos que era também capaz de alguma façanha, de algo extraordinário que fugisse de sua rotina.

Isso tudo Seu Manel soube de pronto.

Quebra minha Canoa - Parte IV - Busca implacável

A cidade...

Não há um mapa sequer sobre ela. E nunca haverá!
Suas ruas são tão confusas que ninguém se surpreenderia se encontrasse um minotauro por lá.

Mas era tarde demais.
Muito mais importante que sua vida, era a moral de Hector que estava em jogo, a sua ilibada reputação.

As meninas olhavam para ele com aquele jeito de “Oh!, herói! Se não fosse você, quem iria nos garantir uma picanhazinha mal passada, uma asinha de frango, um pão de alho bem tostado?”.
Digam tudo que quiserem sobre ele, mas jamais neguem que Hector é o sensível dos sensíveis quando a causa é dessas dignas de fazer chorar.

Lançou-se à empreitada com a sede de quem sabe que vale a pena morrer por algo sem o que não vale a pena viver.

Embrenhando-se no labiríntico desafio, foi, casa a casa, pessoa a pessoa, perguntando pelo “Seu Manel”.
Usaram todo tipo de subterfúgios para confundi-lo: estaria procurando o Manel pescador ou Manel catador de mariscos?
Hector, sempre forçando seu sotaque italiano, respondia: “Você sabe muito bem quem eu procuro: o Seu Manel do carvão!”.

A confiança era a senha para ouvir um “terceiro beco à esquerda” ou “segunda à direita, primeira à esquerda, dá meia volta, pula o muro, corre do cachorro, passa por baixo da cerca, e pergunta no Cabeleireiro da Pituxa”.

Foi de dica em dica que chegou ao quartel general.

Quebra minha Canoa - Parte III - O prenúncio

Nem que eu vivesse um milhão de vidas aquele olhar sairia da minha memória: era como se dizesse “Vocês são loucos! Querem subverter toda a ordem mundial, querem violar todos os mandamentos, querem desinventar o impossível, querem fazer um churrasco em Canoa Quebrada?”

Mas percebendo que aqueles quatro intrépidos sorrisos não esmoreceriam, resignou-se. “Desculpe por não poder ajudar mais. Só tenho canela, mas desejo boa sorte”.

Na saída, acenou com seu lenço, já enxugando lágrimas, certamente por prever o futuro que aqueles três audaciosos carnívoros (e seu fiel amigo) teriam que enfrentar.

E em cada minimercado, lojinha, quermesse, foi a mesma coisa: “só banana”, “aqui, só azeitona”.
No fim, tinham uma coisa em cada sacola.

Faltava só aquele que, dizem alguns, é indispensável num bom churrasco: o carvão.

Era sempre assim:
- Carvão?! – e a pessoa, depois de se certificar da inexistência de elementos infiltrados, completava com um susurro praticamente inaudível: Só com o "Seu Manel”.

Quem já viu os filmes sobre a máfia sabe que não é fácil chegar aos cabeças da organização.
Chefão do carvão, na ocasião.

Hector até tentou buscar ajuda de Senquévis, só que ele, já meio escondido entre os caroços de azeitona que devorava sentado no meio-fio, recusou-se a dar mais um passo sequer naquela louca empreitada.
Disse ele: “Eu vou fica-raic-raic, aqui chup-chup, almoçan-pfuuuu-do”.

Deixou para lá.
Iria sozinho; fazer o quê?

Virou-se, e à sua frente estava a cidade.

domingo, 12 de setembro de 2010

Quebra minha Canoa - Parte II - Olhos no olhos

Foi aí que Hector lembrou:
- Galera, eu acho vi uma churrasqueira ao lado da piscina...

Entre muxoxos e frases inseguras, concluíram que talvez, não sei, será?, sim, sim!, com certeza havia uma churrasqueira.

Faltava só resolver o Fator Senquévis.
Mas ele, contra todas as expectativas negativas, num gesto de filantropo desprendimento e solicitude incomparável, girou para cima seu polegar: “Tudo bem, gente! Eu como pão de alho com azeitona”.

Estava liberada a festa.
Só faltava... tudo!

E aí, lembrando-me hoje daquele dia, vejo que era ali naquele momento que a tragédia poderia ter sido evitada.
Exatamente no olhar: aquele que a mulher do mercadinho deu quando Hector pediu: “a gente vai querer pão, alho, maionese, sal grosso, carvão, banana, canela, carne, linguiça e frango. Ah! E dois quilos de azeitona”.

Esquecer aquele olhar? Jamais...

Quebra minha Canoa - Parte I - Abriram os portões do inferno

Foi um churrasco tão peculiar que chegou a ser apoiado até por Senquévis – cujos hábitos alimentares, a depender do observador, podem ser definidos como pseudovegetariano, protocarnívoro, ou simplesmente “fresco”.

Mas me adianto demais no tempo.
Antes, as circunstâncias do festim.

Para quem não conhece, a província é terra pródiga em entretenimentos. À cada noite, oferecem-se sempre duas opções: sair e não sair.
Às vezes, sejamos realistas, só tem uma mesmo.

Os quatro então resolveram dançar com outro par de alternativas, só pra variar.

Encheram o carro com suas exíguas mochilas – eles, sunga e hipoglós, elas, biquini, três vestidinhos, duas calça jeans, catorze blusinhas, um vestido longo e trinta e sete pares de sandália, é claro, pra escolher de acordo com o traje da noite.
E também - minha transparência impede-me de omitir o fato - a frasqueira de Senquévis, sua companheira inseparável de viagens (a despeito de todos os desesperados apelos dos amigos, sempre obrigados a suportar os risos mal contidos dos outros passageiros na esteira de bagagens).

Iam pra Canoa Quebrada.
Pra resumir um pouco a balela, “foram”.

No dia seguinte à chegada, um café da manhã reforçado e, espírito alegre e descansado, caminharam até a praia – deixo aqui consignado o protesto de Hermana, que achou um a-b-ssur-do (assim mesmo, separando errado as sílabas) não pegarem um táxi pra percorrer a micromaratona do hotel à areia: exatos quarenta e dois metros e cento e noventa e cinco milímetros.

A escada prenunciou o que lhes aguardava.
Pacientes, tiveram que aguardar a mulher que pedia ao Wandyscleito (provavelmente o pai) pra “tirar uma foto com o Wandyscleitinho Junior aqui ó, que é pra mostrar as 'terra' lá no fundo".

Na verdade, acabou sendo até pior do que imaginaram.
Juro que foi ouvido um comentário do tipo: “olha lá que pessoas esnobes naquela barraca... Tão ouvindo Wesley Safadão só porque se acham 'cult'”!

Não demoraram nem dois minutos na praia, tempo suficiente para, numa simples troca de olhares, decidirem se enfurnar em seu chateau até a hora de voltar.

Uau!

Que fim de semana...
Quantas presenças ilustres aqui no blog. Tantas, que arrisco-me a dizer que foi um divisor de águas: a partir de agora, as datas serão a.10-12/09 e d.10-12/09.
E não é só puxa-saquismo, não, viu?

Aliás, tanto virtual como presencialmente (porque ainda tenho um resquício de vida além do monitor), foram dias de simpáticas companhias e agradáveis conversas.

Fossem todos os papos compilados em um livro, a capa certamente seria uma ilustração de Juan a meio caminho entre nada e lugar nenhum desatolando sozinho, lama até as joelhos, a van de amigos descontraídos fazendo coro de Eguinha Pocotó em Esperanto.
Ainda não pensei em como desenhar tudo isso, mas é o tipo de coisa em que a gente se sente obrigado a gastar uma boa centena de neurônios. Quiçá uns milhares.
É ver para crer.
Sugestões são bem-vindas.

Fato é que, entre caos e casos, surgiram boas estórias, desenterradas de não sei que confins da memória.
(Houve também, é bem verdade, outras péssimas – ou talvez apenas incompreensíveis –, terminadas em anti-clímax do quilate de “aí, eu subi a escada”, e que invariavelmente deixavam a plateia num sentimento misto de estupefação e vergonha.)

Dentre as do primeiro grupo, creio eu, está a do evento que, por muito tempo, foi injustamente negligenciado neste espaço.

É o que vocês verão no próximo bloco.


* N.A., em 16/09/2010: A promessa foi cumprida aqui.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Ah!rgentina - Parte XI - Donde mi vida terminaré

Peguem uma calculadora.
Se pode ser a do computador? Claro. A do celular também.
Menos a HP, porque tem que ser meio doido pra saber usar aquilo.

Saímos do hotel às 2h30. Quarenta minutos gastos na ida do aeroporto, uma hora num café da manhã da precoce, uma hora esperando o embarque, duas horas e meia de viagem até São Paulo, duas horas esperando a conexão, três horas de viagem até a província. Entre pegar as malas e um táxi, mais uma hora.

Somaram?
Isso mesmo! Mais de onze horas de viagem; nenhuma de sono!

Se eu estava acabado?
Não... Muito pior.

As primeiras (e últimas) palavras que escutei quando cheguei ao trabalho foram:
- Você brigou?
- Ahn!
- Por que você está com o olho roxo?

“São minhas olheiras”, pensei.
Mas acabei dizendo só “até amanhã”.

Ah!rgentina - Parte X - Mi Buenos Aires, tierra florida

Uma, duas, três... duzentas e setenta e cinco!
Peço licença aos deuses dos trocadilhos para fazer uso do óbvio: que calle florida!

Quê? Não gostou?!

Ah!rgentina - Parte IX - Borró una lágrima de pena

A trégua durou exatas oito horas.
Às 22h30, estavam num bar em Las Cañitas.

Deliberavam o que beber.

Por dois votos a zero, excluíram a opção mais óbvia.
Afinal, não pegaria nada bem dois marmanjos-cabras-machos jantando com uma botilla de vinho.
Restou então a parceira de todas as horas: ceeeeeeeeeerveeja!

Mas 'cê veja, mesmo ela lhes causou problemas... Que diabos de medidas eram aquelas?

“Porrón”, por exemplo?
Hector deu seu pitaco:
- Pô, cara! Espanhol é só um Português com sotaque... Essa tá mole! Porrón é uma porrada de cerveja – dizia ele, com forte sotaque portenho, ao mesmo tempo em que abria euforicamente os braços. Você vai ver: uma jarra de cerveja!

Lambendo os beiços, Senquévis virou-se na hora e, entre eufórico e desesperado, pediu logo dois... Hector completou: "dois pra mim também".

Tenho certeza que, pelo andar da carruagem, vocês até já desconfiam do fim.
E é isso mesmo: “porrones” nada mais são que umas porrinhas de umas garrafas minúsculas.

Ô!, povo doido!
E ao porrón uma lágrima de pena.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ah!rgentina - Parte VIII - Oigo la queja de un bandoneón

Juro que ninguém levava fé naquela noite.

Só pra dar um panorama: um restaurante de alto padrão, dúzias de casais espalhados por mesas no centro, dezenas de grupos no entorno.

De repente - e foi realmente uma mudança imperceptível –, baixa a luz, solta o som: “papanamericano”...
O lugar onde há poucos minutos duplas apaixonadas beijavam-se à luz de velas agora era palco de fervorosas brigas por espaço. Dançarinas em roupas íntimas deslizavam pelas pilastras sob aplausos de homens e mulheres, gringos e argentinos. Um cheiro misto de vinho, cigarro e pecado, enfim.

Uma noite longa só acabada com os apelos do segurança, que efusivamente insistia naquela ideia chata de querer fechar tudo.
Após alguns bons minutos de prorrogação, o jeito foi ir embora, já prevendo – com a experiência que uns tantos anos trouxeram – o sofrimento do dia seguinte.

Que ressaca!

Acordei bufando de calor, com a boca tão seca que deixou a vívida impressão de que eu estava chupando uma meia. Suja.

Tateando até o banheiro, quase fui traído pelo amontoado de roupas no meio do corredor, e o complexo sistema de interruptores do quarto (o botão do lado da cama acendia a luz do banheiro, o do corredor acendia o abajur de leitura, e por aí vai) tornou-se mais do que nunca um oráculo.

Aceitei minha incapacidade temporária, e decidi pela coisa mais sensata: pedir ajuda:
- Ô! Senquévis... Como acende essa porra dessa luz?!

A ausência de resposta preocupou-me.
Teria o polaco ido tomar café da manhã sem me avisar? Será que já eram 10h da manhã?

Uma olhada no relógio (14h30), e algumas alfinetadas na cabeça.

Precisei usar meu sexto sentido para encontrar o vaso e, depois desse esforço hercúleo, voltei a dormir.

Depois desse dia, jurei que nunca mais beberia.

Quépacóunti

Se você não mora na província, não vai entender.
Aposto que sequer acreditará no que vou dizer.

Mas renovo agora meus votos, e juro de pés juntos que serei mais fiel do que nunca aos fatos.
Por isso, peço que confiem em mim quando digo que há seres que, passada já uma década deste Século XXI, insistem em ostentar desavergonhadamente o estandarte máximo da pieguice: BONÉ! Isso, mesmo – pasmem – nas noitadas!

Na verdade, o boné é apenas um dos apetrechos (a cereja no sundae, é bem verdade), que, juntamente com a camisa de polo ou rugbi, o copo de uísque e o energético, formam o uniforme de um grupo de seres que reúnem um certo número de qualidades negativas, e são denominados pejorativamente de “forrozeiros”.
Sua tática de aproximação varia desde a simples puxada de cabelo até a puxada de cabelo combinada com o “Ei! Ô! Psiu!”.

O “quépacóunti” – versão provinciana de “cap account” – é portanto o número de bonés que, numa olhada, dá pra se enxergar.

E chego aqui ao ponto fundamental deste post.
Fiem-se neste conselho amigo e desinteressado: vocês não irão gostar de estar num lugar em que o contador esteja marcando um número maior que dez.

Como com certeza estará aqui:


Alguém aposta no contrário?

Aliás, tenho uma história terrível envolvendo o tal do Wesley Safadão, mas o trauma ainda me impede de tocar no assunto.
Peço que respeitem, por favor.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Boas companhias

Lá fora, a solidão grita, conspira, silencia.
Resguardo-me aqui, dentro de mim.
Acredite, não há lugar seguro como minha companhia.
Até tentaria o risco. Mas ele?
Ele não me tenta, e é exatamente assim
que acabo como eterno escravo de quem sou
(o que, você diz, de certa forma
é melhor do que ser escravo de quem fui.
Ou de quem pretendo ser). É sim.
O problema é que mais quase nada me conforma...
Para calar minha solidão será preciso
bem mais do que fórmulas, corações e rosas.
Porque por mais que eu, esperança,
tente perder-me em pura poesia
Acabo me descobrindo sempre um apreciador
- entusiasta! - de uma boa prosa.

Protesto!

Fiz bico, amarrei a cara, cruzei os braços e passei uma semana sem escrever.
Pô! Nem um comentariozinho sobre as últimas três postagens!

E vocês não estão nem aí, né?
Mesmo com o meu protesto, NADA!

Mas aposto que, se eu fosse o cara do cafezinho, ia ter reclamação, ameaça de greve e tudo o mais.
Quisera eu...

O que me restou? Voltar ao meu triste ofício de blogueiro incompreendido.

Snif.

Ah!rgentina - Parte VII - Bajo su inquieta lucecita

E o que dizer daquele grupo?
Um Paratodos encarnado em terras portenhas, ensinando aos argentinos um pouquinho de brasilidade.

Ali, íntimos desconhecidos, não deram qualquer brecha para que pensassem que até aquele momento jamais haviam se visto.

Rio de Janeiro, Paraná, Ceará, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais; seis estados, unidos por obra do acaso.

“Acaso” que me faz pensar em quantas pessoas dignas de nota devem ter passado por minha vida sem que eu as tenha percebido: na mesa ao lado, na virada de cabeça, no segundo depois. Ou no antes.
Confesso que, no brinde, não pude deixar de agradecer (em segredo): “obrigado, vida, pela oportunidade”.

No fim, é realmente essa a lei natural dos encontros: deixamos e recebemos um tanto.
E o que de melhor pode haver?

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Ah!rgentina - Parte VI - Dice su ruego de coraje y de pasión

O trio finalmente estava formado.
Os três sabiam desde o início que aquilo tudo seria efêmero: Metoddy teria que partir no dia seguinte.

Asia de Cuba. A entrada mantinha com um esquisito orgulho a mais típica organização latino-americana: Nenhuma.
Aliás, serei justo. Havia uma única: “tem reserva?”, repetia o adestrado leão de chácara.

“Não tem reserva? Espera lá..."

“Lá” era um canto a uns cinco metros da porta, onde algumas dezenas de pessoas amontoavam-se com olhos de cachorro pidão, fiscalizando-se umas às outras e dispostas a atirar um sapato ou um enfiar um canivete no primeiro que inventasse um golpe para passar à frente.

Aqueles seis olhos tiveram que ir pra “lá”, juntar-se à triste multidão.

Mas não por muito tempo.

Foi feito o pregão: “Tem uma mesa de oito lugares vaga! Alguém está num grupo de oito?”

Hector, pra surpresa geral, saltou à frente e berrou: “Nosotros!”

Checando com o rabo de olho, percebeu que sua vida corria perigo.
Ouviu um “Então, meu... Acho que ele está inveintaaando pra passar na freinte!” e notou que dois casais já começavam a se mancomunar para fazer um escândalo.

“Cadê o seu grupo?”, peguntou el león.

(É agora, Hector! Sou mais você...)

“Aqui, aqui”, apontou para Senquévis e Metoddy; “aqui, aqui, aqui”, desta vez, para três mulheres encostadas na grade, que se viravam para trás tentando entender de quem aquele maluco estava falando; e “aqui”, arrematou dando um tapinha camarada num pobre turista que esperava sozinho.

O clima ficou tão pesado que daria até para cortá-lo com uma faca.
Todo mundo olhando meio desconfiado...
“Será?”, era a pergunta que rolava.

Não podiam esperar...
Hector puxou todo mundo pela porta.

O segurança, ainda um tanto incrédulo, tentou um último lance: “Mas aqui só tem sete!”

“Avisa a mi amigo Pedrito que ya estamos en la mesa”, foi o que provavelmente ouviu de Hector, que já berrava lá de dentro.

Daqui não saio, daqui ninguém me tira!

"Garçom, por favor três garrafas de vinho, porque hoje estamos comemorando. A propósito, muito prazer. Quem são vocês?”

Ah!rgentina - Parte V - Cuando yo te vuelva a ver

Direita ou esquerda? Tanto faz.
É realmente preciso ir a algum lugar? Aqui, não.
Basta andar pelas ruas, almoçar com um bom vinho, tomar um café em qualquer livraria.

Cada vez que vou a Buenos Aires convenço-me de que a graça é não precisar fazer nada. E ainda assim ter um ótimo dia.

Ah!rgentina - Parte IV - Vuelan los años, se olvida el dolor

Uma hora, o momento tinha que chegar. E chegou.
O carro corria as autopistas, e eu revia, relembrava, reconhecia os taxistas mal humorados, as placas, os bairros, os prédios avarandados e desengonçados, as estórias.

Buenos Aires.
Já fazia dois anos, mas eu estava de volta.

Há quanto tempo pisei aqui pela primeira vez?
Mais que cinco, menos que dez anos; algo nesse espaço.

Um tanto mais jovem, muito menos conhecedor da vida.
Alguém melhor, talvez. Provavelmente. Com certeza.

Puyerredón, Jujuy, Catamarca...

O carro para no pedágio, e eu me lembro daquela vez em que ficamos presos aqui na entrada de La Boca, sem dinheiro para pagar o pedágio.
Eu e um irmão que não está mais aqui comigo.

Mesmo assim eu rio.
Rio um pouco mais do que ri naquela hora.
Rio agora por mim e por ele.

Buenos Aires tem cheiro de saudade.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ah!rgentina - Parte III - Dentro del pecho pide rienda el corazón

Bim-Bóóóóóm
“Hector Melendez e Senquévis da Silva, favor identificarem-se através da chamada de comissários.”

Pronto. Ferrou. Encurralado no avião, sem chance de fuga. Sobrevivência, Hector... Sobrevivência! Dê o seu jeito. Rápido! “Pois não, senhor, o quê, se eu eu conheço algum Senquévis, quem, aquele polonês, só de vista senhor, do trabalho, não senhor, jamais teria combinado de viajar com ele, não, encontrei no aeroporto e ele me perguntou se eu podia levar uma frasqueira para ele, o que, é claro que eu disse não, acha que fiz mal, não, não acredito, eu vi sim, mas quem poderia dizer que aqueles cremes todos eram armas biológicas, onde este mundo vai parar, se eu fosse vocês mandava esse sujeitinho direto pra Guantanamo com passagem só de ida”.

Genial, Hector! Genial...
Agora é só esperar o comissário, e fazer cara de surpresa.
Lembra daquele ator de Malhação?
Busque inspiração...
Inspira, expira, inspira, expira.

“Pois não, senhor?”
“Pe-pe-pediram pra eu me-me-me ide-de-de-dentificar...”
“O senhor é...”
“Melendez. Hector Melendez” – cuidado, não estrague tudo... – “E estou viajando sozinho! Não conheço absolutamente ninguém nesse avião!” – pronto, sua besta! Estragou tudo!
“Que bom, senhor.” (o que é pior: o sotaque paulista ou o risinho besta de comissário?) “O senhor pediu refeição especial?”
“Quê?!”
“Está aqui a sua refeição, senhor! Sem sal. Como o senhor pediu.”
“Tá doido? E eu lá vou comer comida sem sal?”
“Desculpe, senhor. Deve ter sido algum engano do sistema...”

É.
Depois não sabem por que tanta gente tem crise cardíaca nos aviões...

Ah!rgentina - Parte II - Bajo tu amparo no hay desengaño

Prezado Senhor Supervisor,

Informo sobre as ocorrências de hoje.

A máquina 3 quebrou novamente.
Sugiro solicitar o conserto à empresa responsável.

32 portadores de marcapasso identificaram-se aos agentes, e foram inspecionados manualmente.

Por fim, algo muito suspeito.
Um polonês tentou embarcar com 15 litros de líquidos e cremes (xampu, condicionador, protetor solar para sobrancelhas, hidratante de joelhos, removedor de esmalte, água sanitária e massa para reboco).
O conteúdo foi apreendido e guardado nas 3 caixas que estão com o nome “Senquévis da Silva”.

Cumprindo os procedimentos, avisei à Polícia Federal.

Atenciosamente.

Chefe do Setor de Raio-x
Aeroporto de Guarulhos

Ah!rgentina - Parte I - Hoy que la suerte quiere que te vuelva a ver

Hector, tranquilo, esperava a moça simpática terminar de embrulhar sua mala (quem já foi a Buenos Aires sabe que não vale a pena brincar com a sorte no Ezeiza).
Tudo pronto, saiu destilando seu charme zen-latino até o balcão da TAM.

“Hector, Hector!”

Virou-se e viu, lá na outra ponta, Senquévis balançando freneticamente braços e malas.

Pensou: “Coitado! Deve ser a emoção da viagem... Está ficando maluco. Será que ele não percebeu que está no balcão da companhia errada?”

Com um sorriso de complacência, e aquela balançadinha de cabeça de quem perdoe-ele-não-sabe-o-que-faz, tentava concatenar as palavras que seu amigo largava a esmo, com falta de fôlego e excesso de mãos:
- Avião, Buenos Aires, São Paulo, check-in, TAM, Gol, esperando, embarque.
- Calma! Respira. Pronto? Agora, fala...
- Nosso voo foi cancelado. Colocaram a gente na Gol. O avião sai daqui a... vinte e sete segun!

Só deu pra ouvir até o “segun”. Porque no “dos”, já estavam pulando sobre cabeças e faixas de segurança.

Não queriam emoções?
Nada melhor para começar...

Embarcaram.
Foi o que ouvi dizer.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O relógio

Tic, tac, tic, tac.
O relógio bate, impiedoso,
Marca o tempo que passa e já passou.

TIC, sou lascivo bebo cada segundo como se fosse o último... TAC, vivo o hoje sempre amanhã e nunca apaixonadamente... TIC, não deixo o tempo passar e me agarro ao seu mínimo átimo... TAC, o futuro é o melhor porque amanhã vai se tornar o presente... TIC, bela manhã essa que nasce... TAC, mais bonito é esse anoitecer... TIC, esse sol que ilumina as faces... TAC, que minha noite tenta esconder... TIC, que vida é essa... TAC, qu’eu sei que levo... TIC, não vê o hoje... TAC, penso amanhã... TIC, tempo veloz... TAC... que nem deixa... TIC, viver o tempo... TAC, que essa vida dá... TIC, preciso, rápido, agora, TAC, a favor, me deixa, mas por quê... TIC, não dá, fazer, TAC, talvez, pensar... TIC, logo, TAC, depois... TIC, já, TAC, não... TIC, sim, TAC, fim.

Tiiiiiiiiiiiic...
Taaaaaaaaaac...
Tiiiic...
Taaac...

Tiic... Taac... TIC... TAC... TIC, TAC... TIC, TAC, TIC, nunca para, TAC, para ninguém, TIC, tarde demais, TAC, adeus. Amém.

domingo, 22 de agosto de 2010

Sonhos

- O que é “sonho”?
- É aquele negócio que a gente tem quando dorme, oras!
- Se você está dormindo, como é que desiste dos sonhos?
- Do que você está falando?
- Me disseram que você desistiu dos seus sonhos... Quer dizer que você não dorme mais?
- Que conversa é essa, moleque?
- Andam dizendo por aí...
- Estão falando de outro tipo de sonho. E estão falando porque são bestas... Já passou o tempo de sonhar.
- Como assim “passou o tempo de sonhar”?
- Ah!, garoto... (suspiro) Na sua época era tudo tão mais fácil... Podia-se sonhar com tudo. Em ser piloto de fórmula um, jogador de futebol, ator de cinema. Acabar com as guerras, com a fome, com a música sertaneja. Mas hoje é tudo mais difícil.
- Por quê?
- Porque você cresceu, garoto. Quer dizer, porque eu cresci. Ou você cresceu, e virou eu. Ai! Você faz cada pergunta difícil!
- E você dá cada resposta difícil...
- Agora, me deixe trabalhar. Vai brincar com seus botões, vai...
- Mas eu ainda não entendi! Custa explicar?
- Eu já expliquei! É muito fácil sonhar quando não se precisa pagar contas, sustentar a casa. É mole quando não se conhece o mundo!
- Mas eu conheço o mundo! Vários mundos! Todo dia descubro um mundo novo...
- Só que isso vai acabar um dia. Você vai ver como é frustrante descobrir que nenhum desses mundos existe.
- O que é “frustrante”?
- Você e suas perguntas!
- (bico)
- “Frustrante” é quando você quis muito alguma coisa um dia, mas essa coisa nunca acontece.
- E eu vou ficar frustrado quando eu crescer?
- Você já cresceu, moleque. Já expliquei!
- Ué? Você diz que eu já cresci... Mas eu não estou frustrado.
- É que, quando você cresceu, deixou de existir...
- Se eu não existo, como você está falando comigo?
- Que mania chata de me fazer pensar, garoto!

sábado, 21 de agosto de 2010

Trópicos de Câncer

Há livros que simplesmente não deveriam virar filmes.

Refiro-me a bons livros, é claro. “Caçador de livros”? Não. “A menina que roubava pipas”? “Crepúsculo”? “Harry Potter”? Não, não, não! Lamento.

Cheguei a esta conclusão assistindo a “Trópico de Câncer”.

Tenho uma teoria. (Aliás, acho que tenho uma teoria sobre tudo.)
Mas, sem delongas, vamos a esta...

Minha visão sobre os livros é meio luterana: eles são a fonte, e deles devemos beber diretamente, sem intermediários.
Ou seja, ninguém precisa ficar interpretando a interpretação de outro.

É aquilo. Está lá e pronto.

Se considerarmos que a sociedade tem um pensamento mais ou menos uniforme em determinada época, dá pra se chegar à conclusão de que este é um problema que não vai se manifestar imediatamente, mas com o tempo.

Tomando como exemplo o próprio “Trópico”.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1934 (pesquisei no Google; a responsabilidade é toda dele).
De lá pra cá, ele foi lido por inúmeras gerações, cada qual o interpretando à sua maneira.
Só que, por mais que o autor seja envolvente a ponto de passar com exatidão ao texto o ambiente, os sentimentos, e até os movimentos, é absolutamente impossível que duas pessoas vivam aquele livro da mesma maneira.

O que você imaginaria então da imagem que a sua avó deve ter feito de Henry Miller?

E aí está – imagino eu, na minha confessada ignorância cinematográfica – o maior problema do filme.
Lançado em 1970, ele mostra que a visão que naquele tempo se tinha da Paris e das personagens de Miller é completamente diferente da que temos hoje.

E não tem a menor importância a que está certa e a que está errada.

O livro – como todos os bons – será eterno.
O filme já está morto.

As únicas coisas que se salvam nele, aliás, são exatamente os trechos do livro que são lidos de vez em quando.
Mas aí não vale.

O pudim

Não é uma metáfora.
Nem procurem qualquer mensagem implícita.
Pessoas que lerão isso depois que eu morrer – não se animem, vai demorar –, e eu não estiver mais aqui para me defender: não é uma elogio ao governo; nem crítica ao Ricardo Teixeira; nem apoio nem repúdio a maçons, judeus, homossexuais, bebês com sardas, ou qualquer outra coisa maluca que podem querer tirar daqui um dia.

É um texto sobre um pudim. E ponto.

Porque a verdade é que o ponto alto da minha semana, sem exageros, foi... o pudim!
Para ser mais justo, acho que deveria chamá-lo de “O Pudim”. Assim mesmo, com aspas e maiúsculas. De preferência, com aquelas letras de caligrafista.
Só assim pra dar a dignidade que ele merece. Mereceu.

Pode parecer pouco para vocês, seres que saem às ruas e interagem com outros seres hum...
Do que eu estou falando? Vocês leem blogs!
Corrijo para: “seres que saem às ruas e fazem essas coisas esquisitas que vocês devem fazer”.

Mas, como eu ia dizendo, para mim, um Kaspar Hauser deste Século XXI, qualquer coisa, qualquer sinalzinho do mundo exterior aparece como milagre.

E vocês tinham que ver... Que milagre!

Eu abria a geladeira, e lá estava ele, queimadinho por cima, amarelo por baixo, nadando na calda.
Desafiou-me tanto que fui obrigado a devorá-lo em generosas porções.

Nobre pudim.
Morreu cumprindo o seu destino.

Ah! “Eat, drink and love. What can the rest avail us?”

“Pensou que eu não vinha mais, pensou...

... Cansou de esperar por mim”?

Mas eu voltei.
Eu sempre volto.

Minha língua ferina faz os dedos coçarem.
E quando ele coçam tenho que sentar aqui, e escrever.

Trago boas novas!

Porém, antes de tudo, explico minha ausência: mais uma vez condenado a uma semana de ócio por causa dos sisos, meti-me a desbravar a literatura argentina. Ernesto Sabato, sugestão-cortesia de Aldirzinho do Telecoteco.
O resultado – previsível – foram quatro dias imerso no universo portenho.

A segunda razão, mais importante, foi a volta daquele velho hábito protomasoquista (“proto”, não “procto”, seus engraçadinhos) de ler Veríssimo. Ele, que sempre me põe no meu devido lugar literário: o esgoto. Não tratado.
Funestas consequências, portanto...

Só que as boas notícias não podiam esperar.

Na madrugada de quinta para sexta-feira porei os pés, nada menos que pela quinta vez, em “mi Buenos Aires querido”.
Hoje, pode até parecer bobagem, mas é que ainda tenho na cabeça aquela (boa) época em que era possível encontrar até argentinos na capital portenha. Isso foi pouco antes da colonização brasileira ter começado. Há uns seis anos, mais ou menos.

De todo jeito, mesmo com o título de capital temperada do Brasil, é inegável que ela mantém o seu charme...

Portanto, juntarei feliz à coleção mais uma foto em frente à Corrientes, trés cuatro ocho.
É um estacionamento? E daí?
Eu sou turista, pô! E turista acha graça de tudo.

Argentina(s), aí vou eu!