quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Soy loco por ti, América - Parte I - Pelo visto, uma zona

Não que eu esperasse algo diferente.
Nem nos meus sonhos mais loucos imaginei um casarão, bandeira hasteada, tapete vermelho, funcionários solícitos.

Sinceramente, fui esperando quase qualquer coisa.

Passaporte na mão, entrei naquele prédio velho de Copacabana. Dividindo o andar com um advogado meio porta de cadeia meio papa defunto, a porta exibia num orgulho contido o brasão. Acima, a inscrição: “Consulado de Honduras”.

Sim. É preciso de um visto pra entrar em Honduras. E outro para entrar em Belize (que você nem sabia que era um país, né?).

Tudo muito bom, tudo muito bem.

Mas... “Horário de Funcionamento: 11h – 12h / 14h – 15h”, ou algo assim.

Uma checada no relógio: 14h30. Uau! É meu dia de sorte!

Campainha.
Campainha de novo.
O advogado esquisitão da porta ao lado me aborda, desconfiado:
- Ei! Este aí é o Consulado.
- Eu sei – e penso, de um jeito meio irônico, que não deve ter muita gente a fim de se submeter aos horários esdrúxulos dos órgãos hondurenhos para arranjar um visto.
Volto à campainha. Ouvido colado à porta. Foi um barulho lá dentro? Não... Acho que foi o advogado chato. Deve estar me vigiando pelo olho mágico. Ou acha que sou um terrorista, ou que eu vou sair preso em breve. Deve estar percebendo uma oportunidade de negócios. Toc, toc, toc. Paf, paf, paf. Nada. Desço e pergunto ao porteiro:
- Tem outra entrada para o Consulado?
- Não. É só aquela mesmo.
- É porque ninguém me atende. Será que está tendo reunião, ou alguma coisa assim?
- É que só funciona de vez em quando. - Juro que ele disse isso: “de vez em quando”.
- E como eu faço pra tirar o visto?
- Ah!, quando o pessoal precisa, fica vindo aqui, até encontrar alguém.

Depois de uma explicação tão clara, só me restavam duas opções: mudar-me de volta para o Rio e ficar morando na portaria do bendito prédio, ou pedir pra Mamãe Hector resolver tudo pra mim.

Continuo no mesmo endereço, se querem saber. E consegui o visto.

Próxima etapa: “Consulado Honorário de Belize”.
Fica num prédio residencial...

No tempo da delicadeza

Descobri uma palavra nova.
Não. “Descobrir” não é o jeito mais certo de dizer. Acho que, na verdade, só desvendei aquele sentido secreto que todas elas têm. Aquela coisa que só mostram a quem se interessa, a quem chega ao fundo.

Há coisas que podem ser expressadas de muitas formas. Outras de nenhuma. Umas poucas de um jeito só.

Dizer-se “encantado”, por exemplo, está fora de qualquer compreensão.

Não é de propósito, não é feitiço, não é sentimento, não é pensamento.
Disfarça-se de fenômeno da natureza. Simplesmente acontece: encanto.

Pensem, quantas vezes já nos encantamos, no sentido mais profundo, sem nem perceber? E quantas já nos confessamos encantados, exatamente nestes termos, nesta ordem de letras?

Vivendo neste mundo que nos enche de responsabilidades chatas, não há fuga melhor do que ser simples e inocentemente encantado.

Prezado senhor tempo,

Tu me enganaste.
Ou me enganaram em teu nome. Sinceramente, não dou a mínima.

Tanto me falaram, que cheguei a acreditar em teus poderes, em tuas curas milagrosas para todas as dores.
Mentira, engodo, engano.

Já tanto tempo, e ainda dói.

Ai!, que falta ele me faz.
Queria contar tanta coisa, perguntar a opinião, compartilhar um sentimento novo, dizer "pô, Leo, tô lendo um livro que você vai gostar", ou então "amo você, cara, e aconteça o que acontecer a sua amizade está cravada na minha pele, correndo em meu sangue, firmada pra sempre na memória".

Mas não posso, senhor tempo.
Ou melhor: posso, mas acabo gritando sozinho (ou contigo, não te ofendas por isso).

Será que tu também te ressentes de algum vazio? De momentos que poderiam ser? Deveriam. Tinham que. Será que também sentes esta dor lancinante que chega de repente?

Ah!, senhor tempo, se não és tu, ao menos me diga: quem cura esta saudade?

Pois é.

Tava por aí. Bonito, cheiroso, pedante, teimoso, fazendo finta.

Demorei um pouco pra passar por aqui; é verdade.
Mas é que acabei acometido por aquele silêncio de quem tem muito pra contar. Coisa de moleque, sabem?, que chega do passeio do colégio e só consegue dizer “foi bom”.

Foi bom. Está bom.

Que mais? Por onde começar (se é que existe mesmo um começo)?

Como sempre, já é tarde da noite.
É só agora que minha cabeça começa a funcionar. No resto do dia, é como se andasse, comesse, falasse por puro instinto. Só agora sinto cansaço, fome, sede. Penso.

Gosto da sensação de estar acordado enquanto a cidade toda dorme. Me sinto um clandestino debaixo do meu próprio teto, Violo as leis da natureza. Roubo do tempo. Ganho minutos preciosos da minha própria companhia. Enfim sós. Enfim só.

Queria ter uma vitrola. Pena. Não tenho. Prefiro quando a voz da Lady Day vem arranhada pela agulha. Sempre que começo a escutar, penso numa frase que ouvi certa vez: "quando Ella Fitzgerald canta que o homem dela foi embora, você pensa que ele foi à esquina comprar cigarros. Quando Billie Holiday cantava a mesma frase, você podia ver o sujeito fazendo as malas, pegando o carro e indo embora para sempre".

Engraçado. Neste instante um carro passa lá fora. Vai ou volta? Será que eu me importo com isso? Eles se importam?

Não fumo. Não vale a pena sacrificar meu pulmão por essa imagem lúdica. Mas não nego que seria bom ter algo entre o médio e o indicador, olhos fechados, mão seguindo o compasso. “All of meeeeee, why not take aaaaall of me?”. Não quero dormir. “Caaaaaan't you see? I'm no good withooooout you”. Poderia escutar isto pra sempre. “Take my liiiips, I want to loooooose them”. Apago a luz. “Take my aaaarms, IIII’ll never uuuuse them”. Só a penumbra que vem de fora e a luz do monitor.

Não tenho vontade de escrever. Não tenho nem vontade de pensar.

Sentir, sentir, sentir... Aqui, agora, não é proibido.

Envolvido. Pelo som do quarto, pelo silêncio da noite.
“Why not take aaaaall of me?”

Equilíbrio: o corpo relaxa, descansa, enquanto a cabeça vai longe, passeia por ruas, cidades, pessoas.

Bom. Muito bom.
Simples assim.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Um olhar e um sorriso

Seu braço pendia sobre o pescoço dela como se fosse um animal morto, frio.

Olhavam juntos, calados, para o mesmo ponto (se é que dava pra chamar aquilo de olhar: as pálpebras caídas, as pupilas sem brilho).
Era como se enxergassem por mera obrigação imposta pela natureza. E era como se escutassem por obrigação, respirassem por obrigação, gostassem por obrigação.

Ele percebeu o exato momento: aquele sorriso inoportuno denunciava se não uma revolução, ao menos um movimento.
Ele, o que houve, ela, acabou.

Foi ali que a sua vida mudou.

Já gostara e desgostara muitas vezes depois daquele dia, e em todas elas largou a sua quota de braços e olhos blasé.

Mas mesmo com todas as distrações, aquele sorriso nunca lhe saiu da memória.
Não o tempo todo, mas numa frequência que o permitia dizer ser um incômodo.
Nem era tanto a perda (que ele já tinha superado há muito) que o torturava, e sim a pergunta, irrespondida e irrespondível: “por quê?”

Agora, ele estava ali com ela.
Não aquela “ela”, do começo. Outra “ela”.
Impossível dizer se felizes ou tristes.
Olhavam (se é que se pode chamar aquilo de olhar, blablablá...) aquele casal que trocava beijos ardentes e juras de amor eterno.

Por causa deles, acabou lembrando do que um dia foi capaz de sentir.
Veio-lhe novamente na boca aquele sabor de promessa sincera, de sonhos sôfregos de um futuro necessário, lado a lado.
Há quanto tempo não sentia aquilo...
Valeria a pena viver sem esse amor destinado, desregrado, desesperado?

Não sabia a resposta, mas sentiu-se vivo simplesmente por ter formulado a pergunta.

Sorriu.

Ela, o que houve, ele, acabou.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Soy loco por ti, América - Parte Nihil - Correr mundo, correr perigo

No dia dois de dezembro, meus pés pisarão seu vigésimo país.
A Guatemala se juntará ao seleto grupo formado por Brasil, Estados Unidos, Portugal, Espanha, França, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Bolívia, Colômbia, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Polônia, República Tcheca, Áustria e Suíça.

É o meu G-20.
Que, até o Natal, já deverá ter se transformado em G-26 (isso se, no meio do caminho, eu não descobrir a existência de mais algum micropaís por lá).

A pergunta que todo mundo me faz é: por que a América Central? E eu, sinceramente, não tenho nada a responder além de “por que não?”

É isso mesmo. Não tem motivo algum.
Só esta vontade louca de “correr o mundo, correr perigo”, esta inexplicável necessidade de sair por aí deixando pegadas e colhendo lembranças e estórias.

Irei porque estou vivo.
E ponto final.

Pobre de ti, viola

Dentre os meus hábitos excêntricos, tenho carinho especial por um: saio por aí anotando tudo o que me chama a atenção no mundo.

Revisito meus apontamentos frequentemente. Na grande maioria das vezes, fico sem saber o que fazer com eles, mas sei que estão lá por algum motivo (no mínimo porque têm a louvável marca de tornar digno de destaque um momento aparentemente sem importância).

Até que, num dia qualquer, eu acabo ligando lé com cré, e desse encontro surge um assunto.

Pra exemplificar, cito uma anotação feita há tempos: “O que fizeram da música sertaneja?”

Sertão deriva de "desertão", que era como chamavam tudo o que não ficava no litoral desta terra recém-descoberta.
E tanto coisa boa saiu desse deserto...
Cresci apaixonado pelo som da viola. Já embalei-me muito nos cinco pares de cordas de Índio Cachoeira, Fernando Déghi, Arnaldo Freitas, Renato Teixeira, Almir Sater.
Chorei mais de uma dezena de vezes um choro bom, sem explicação, só de ouvir “Tocando em frente”.

E a questão é: como essa boa música se transformou nesta porcaria (perdoem-me, mas não consigo pensar em outra qualificação) que hoje nos tortura, nesta melodia pobre que chora, em duplas, motivos de corno manso, com dedo no ouvido e tremeliques no queixo?

Hoje, lendo Hobsbawm, confirmei a minha tese: “A indústria produz artigos prontos para o uso do público, e o melhor tipo de público é aquele que comparece, de maneira regular e silenciosa, que se senta no escuro para assistir ao espetáculo de boca aberta: os inúmeros espectadores que se sentam em casa, sozinhos ou em pequenos grupos, olhando o jornal ou ligando o rádio ou a televisão. Se a indústria até hoje não conseguiu fazer do público um bando de idiotas é porque o público não só não quer apenas se sentar calado, como população passiva, para assistir ao show: quer também fazer seu próprio entretenimento, participar ativamente e, o que é mais importante, socialmente.”

Obviamente, não é uma análise do “sertanejo universitário” (que, pra imensa sorte do Rorrô, não chega nem perto da Inglaterra), e sim da música pop enlatada norte-americana, em especial o rock.
Mas é inegável que cai como uma luva à nossa triste realidade.

Ao menos ajuda a entender por que tem tanta gente por aí andando com um cinto do Batman e um jeans apertando o saco.

“Pensar só nos traz alegria, saber já é outra questão”:
Será que tudo é mesmo relativo? Será que não dá pra dizer que existe o mau gosto?

Enquanto não descubro, vou curtindo a minha viola e zombando desse modismo desagradável.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Treze dias que (não) abalaram o (meu) mundo

Caramba! Faz treze dias que eu não passo por aqui... Trezentas e doze horas. Dezoito mil setecentos e vinte minutos.
E isso significa que sou mais de um milhão de segundos diferente do que eu era naquele momento, que agora parece tão distante. (E se “milhão” não fosse uma medida significativa, os reality shows perderiam metade da graça, no mínimo.)

Parti, cheguei, dormi, acordei, troquei a noite pelo dia algumas vezes (umas voluntariamente, outras não). Ri. Não me lembro de ter chorado. Ou melhor, tenho certeza: não chorei. Trabalhei, descansei. Meu coração bateu em mais de uma dezena de contratempos (nenhum dano severo, pra minha sorte). Vi pessoas casarem e pessoas se separarem (não as mesmas, pra sorte delas). Planejei uma nova viagem. Senti de novo que devo muito mais às letras do que elas a mim.

Rotina, enfim, ifilnoul-uoraimim.

Minhas pernas deram voltas,
Minha cabeça deu voltas,
O mundo deu voltas.
Eu voltei.