terça-feira, 27 de julho de 2010

SPC

Caaaaaaaaaaalma!

Ao contrário do que minha querida mãezinha pensa, esta vida desregrada (pra ficar só no eufemismo) ainda não me levou à insolvência.

O SPC a que me refiro não é o temido cadastro.
Nem o grupo de pagode - muito embora este tenha seu valor.

Na verdade, estou falando da Síndrome Pós-Chiclete.

Sabem?, eu era feliz antigamente, quando tudo se acabava na quarta-feira de cinzas.
Só uma quarta-feira por ano.
Só uma vez aquele sentimento horroroso de vazio. De "acabou".

Mas e agora?
Quem foi que inventou essa alegria insana mesmo quando não é Carnaval? E de onde surge esse tanto de gente pra correr atrás de um caminhão, num fim de semana qualquer de julho?

Felicidade. Coração palpitando.
"Se me chamar, eu vou..."

Você acha que eu tenho mau gosto?
Ah! Não me venha com chorumelas. Você não sabe o que é bom.
(Não o culpo. Eu também não sabia até bem pouco tempo atrás.)

Mas que diferença faz?
"Acabou". Voltou o vazio.
Só me resta esperar.

No Siriguella você me amou, me ama, me amará.
Amém!

O prazer é todo meu

Quando eu falo que viver na província traz uma surpresa a cada dia, tem gente que não acredita.

Eu já vi nomes engraçadíssimos de motéis; "Cê-que-sabe", por exemplo:
- E aí, tchutchuca? Vamos pra onde?
- Ah! Cê que sabe...

Alguns anúncios criativos também: "Ganhe um desconto igual à sua idade".

Mas olhem essa pérola de anúncio - pintado no muro, claro! -, orgulhosamente apresentado numa das ruas mais nobres da cidade.

Três vezes no cartão?!
Será que eles fazem também em dez vezes no boleto?

Eu?Ropa! - Parte LXXVIII - Põe meia dúzia de Brahma pra gelar...

Amsterdã já não era mistério para nós.
Movíamo-nos por ali como no quarteirão de nossas casas.

Cumprimentávamos motoristas de ônibus, abandonávamos os mapas sem qualquer cerimônia, e nem pegávamos mais nos cardápios para fazermos os pedidos.
Sabíamos o que queríamos: "Spare ribs".

A "sede pelo novo" já havia virado, há algum tempo, "sede de novo".

Fizemos então o que tínhamos que fazer: vestimos pela penúltima vez nossos trapos rotos, juntamos alguns moedas perdidas encontradas no fundo das mochilas, e partimos para aquela que deveria ser a última experiência em solo europeu: a fábrica da Heineken.

Nada de muito interessante, para ser bem sincero.
Ou alguém tem alguma curiosidade em saber a cadeia sucessória de donos da cervejaria?
É! Foi o que eu imaginei...

Mas tenham a certeza de que não faltou bom gosto para o grand finale.

Coincidência? Destino? Armação?
Quem poderá dizer?

Só sei que tomei uma cerveja no Aterro do Flamengo, aos pés do Pão de Açúcar.

Ah! Como é bom voltar pra casa...

Coração vagabundo

Sempre me senti responsável pela felicidade alheia.

Acho que não há perigo em dizer que esse é um sentimento comum.
Até desconfio que, em mim, ele seja um pouco mais forte.
Mas isso, definitivamente, não é de causar impressão. Nem é novidade.

O que passou a me causar alguma estranheza nos últimos tempos é a forma como isso tudo se combina com esta solidão a que venho me condenando.

Sem dúvidas, é estranho esse Molotov emocional...
Nada me faz abandonar o "só" voluntário, mas sofro duplamente a cada "talvez" desperdiçado: por mim e pelos outros.

Ah!, coração vagabundo... Já passou da hora de parar de guardar o mundo em mim.

domingo, 25 de julho de 2010

Eu?Ropa! - Parte LXXVIII - Falando nos livros...

...dos três, dois excelentes.
Não é sempre que se dá sorte nessas escolhas.

Talvez por ter ficado entre dois gigantes, talvez por não mostrar o mesmo toque de outras obras suas, "Paratii, entre dois pólos" foi só mediano.
Foi mal, Amyr, mas passei a exigir demais depois do "Cem dias entre céu e mar".

A grande disputa então ficou mesmo entre o primeiro e o terceiro na ordem de leitura.

Ligeira vantagem para Dodô, com seu "Crime e castigo" - ainda que o final de Raskólnikov tenha me frustrado um pouco (podeixar, que não vou contar).

Logo atrás, "Um conto de duas cidades".

Cada linha desses dois livros me mostrou o quanto as minhas são medíocres...
Não faz mal. Impossível competir.

Eu?Ropa! - Parte LXXVII - Na medida

Esta viagem foi a consagração da técnica que chamo de "planejar sem planos" (modéstia à parte, invenção minha).
Na teoria, é simples: colocar coisas aleatórias em quantidades aleatórias na mochila, e vamo-que-vamo.

É só com muito treino que se consegue chegar à faixa de preta nessa arte.

Tente.
Pode ser que, no começo, você vá parar numa estação de esqui vestido de sunga. Ou no deserto com um casacão preto de lã.
O importante é não desistir.

Nesta viagem, por exemplo, foi quase tudo na medida.
Cuecas, meias, camisas, casacos...

Carreguei pouca coisa em excesso: um gorro e um saco de dormir.
Felizmente, não precisei de nenhum dos dois.

Só os livros foram insuficientes; os três não resistiram às longas horas de viagens.

Foi preciso complementar a microbiblioteca com um paleativo em Inglês (blergh!), comprado às pressas.

Vivendo e aprendendo.
Da próxima vez, menos cuecas e mais livros...

Ops! Pensei alto!

Eu?Ropa! - Parte LXXVI - Metonímia

Não é o tipo de coisa da qual se possa abrir mão.
Ir à Holanda e não ver um moinho é tão improvável - impossível? - quanto ser bem tratado por um alemão.
Mas o fato é que, na véspera do dia da partida, não tinha aparecido unzinho sequer pra contar história.

Eu então, como um Dom Quixote às avessas, fui à sua caça.
Ao invés da lança, câmera na mão.
Nenhum Sancho Pança fluente em Holandês para me orientar.

Trens, guias, cidades.
Havia de tudo, menos eles.

Mas apareceu.

Em Haarlem, encontrei um dos "míseros gigantes", metonímia das lembranças de um país que deixou muitas saudades.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Músicas com que sonhamos

"Alô!, galera de peão...
Quem gosta de rodeio bate forte com a mão...
[silêncio]
[grilos ao fundo - criiiiiiiii, criiiiiiii]
[mais silêncio]".

domingo, 18 de julho de 2010

Eu?Ropa! - Parte LXXV - Tanto faz

Zurique é bombom, Zurique é bombombom... Mas é cara pra caceta!

Pra variar, o único restaurante cujo orçamento cabia em seus bolsos era um chinês (ou japonês, ou tailandês, até hoje não se sabe).

Por dois votos a um (Feitosa, como sempre, achou que as fotos estavam estranhas, o local era um pouco afastado, e blablablá), decidiram que seria ali.

Duas opções de menu. Em alemão e em chinês (ou japonês, ou tailandês, sabe-se lá).

Pra variar, mímica.

Mas o negócio foi tão difícil que, mesmo depois de pedir, Feitosa e Hector ainda não sabiam o que iam comer.

Marley então, no alto de seu conhecimento de várias línguas - inclusive inventadas - levantou-se para pedir uma Coca-Cola (uma simples Coca-Cola).

"Coke!" - dizia para a atendente.
"No! Not Chicken! Coke!"
"Cola... Cola! Glup, glup, glup" - dizia, enquanto virava uma garrafa imaginária goela abaixo.

Voltou com uma Pepsi.
Mas temos que concordar: pelo menos, chegou perto.

E.T.: Feitosa e Hector comeram, respectivamente, macarrão frito e arroz frito. Que tinham o mesmo gosto.

Eu?Ropa! - Parte LXXIV - "É teste pra cardíaco..."

Como se já não bastasse a desagradável necessidade de dividir as camas durante a viagem, e os roncos bizarros, ainda havia mais um tempero para aquelas noites.

Vira e mexe, Feitosa pregava um susto.

O primeiro foi em Bremen:
- Quem é essa mulher? - berrava, enquanto levava as mãos às partes pudendas.

Mas o pior foi em Zurique:
- Tem um bicho aqui! - pulou da cama, sacudindo freneticamente braços e lençóis, e acendendo a luz.
- Cadê o bicho, cara?
- Tá ali, ó! Na parede...

Acendia a luz, ele sumia.
Apagava, ele voltava.

Era uma sombra.

Eu?Ropa! - Parte LXXIII - Chove chuva

Caía uma chuvinha tão fina em Zurique, que as velhinhas nem sequer abriam os guarda-chuvas.
Mas Feitosa, pra variar, sentenciou: "Eu não saio na chuva".

Mesmo sob uma veemente contestação de Hector e Marley, não mudou sua opinião: "Se vocês são fortões, vão lá".

Foi tão absurdo que até as velhinhas, com os guarda-chuvas debaixo do braço, deram gargalhadas.

Quem?

"Who ever loved, that loved not at first sight?"

Shake... Shake... Shake that ass...
Digo, Shakespeare.

Ou Marlowe (vocês nem imaginam a quantidade de coisa que a gente consegue encontrar na internet: http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas/travessias/ed_003/cultura/A%20INTERA%C7AO%20ENTRE.pdf).

terça-feira, 13 de julho de 2010

Eu?Ropa! - Parte LXX - Adeus, Hitler

Estavam numa boa, conversando, quando veio a pergunta:
- Já estamos na Alemanha?

Descida a sombra sobre a conversa, rostos taciturnos, uma resposta profética:
- A gente vai saber na hora que entrar. Certamente, alguém vai vir "escarrar" aqui.

Dito e feito.
Com a soberba típica e a cara-de-quem-pisou-no-cocô habitual, dois cidadãos grunhiram algo em Alemão.

"Sorry. Do you speak English?"

"Ofe courrrrrrrse ai ispíque Englishe! Passports."
Como de costume, sem cumprimentos, sem "por favores", sem "obrigados".

Interrogatório:
- Vocês vêm de onde?
- Budapeste.
- Vão pra onde?
- Munique.
- E depois?
- Zurique, Colônia, Amsterdã.
- Munique, depois Zurique, depois Amsterdã - dizia apontando cidades imaginárias no vazio. Meio estranho, não?
- Não (pensamento: "virou guia turístico, seu babaca?").
- Que dia vocês entraram na Europa?
- Treze de maio.
- Tem certeza.
- Tenho.
- Absoluta?
- Sim ("tanta quanto a de você ser um palhaço").

O único prazer de toda a estória foi a cara (mais pálida que de costume) de decepção dos indivíduos depois de ligarem para a Imigração.

"Nada de errado?!"
Deve ser isso o que falaram.
Ou alguma coisa preconceituosa.

Pensando direitinho, houve mais um prazer: o de encurtar (ou cortar) todas as escalas na Alemanha.
Nada contra o país, veja bem...

Eu?Ropa! - Parte LXIX - Vira virou

Budapeste foi uma dupla virada na viagem.

Primeiro, física: era o ponto mais oriental do roteiro.
Até ali, estávamos indo. Depois, voltando.

Foi também uma esquina mental.
Passaram todos a estar mais próximos - e talvez até mais interessados neles - dos problemas da terra natal do que os do "estrangeiro".

Naquela última semana, Hector era o único que ainda se animava com alguma coisa que não envolvesse sono e compras. Não necessariamente nessa ordem.

Eu?Ropa! - Parte LXVIII - O dia quase perdido

Tem dias em que tudo dá errado.
Por exemplo, aquele em Budapeste.

Primeiro, um temporal, que não deixou ninguém sair do hotel até o finzinho da tarde.
Na única trégua - e com a melhor vista da cidade - o golpe fatal: máquina sem pilha.

É... Não dá nem pra fazer um compacto com os melhores momentos!

domingo, 11 de julho de 2010

Eu?Ropa! - Parte LXVII - Papará-clac-bum!

Já estava com o saco quase estourando, de tanto ouvir dance, trance, quadrance, e outras porcariances.
Mas, de repente, um sopro de harpa angelical quebrou aquela tenebrosa monotonia de tum-tum-tuns...

"Paraparapapapá papapapá paraparaparapá papápapá".

Pensei com meus botões: já vem aí outra daquelas versões horrorosas com dezoito minutos de bate-estaca.

Não.
Música original, de qualidade, sem remixes, sem efeitos, sem introduções infinitas. Exatamente do jeito como deve ser.

Era Junior e Leonardo. Funk norótico boladão, tocado sob gritos húngaros de aprovação.

Finalmente, a boa música começou a cruzar os oceanos.
Há esperanças para a humanidade.

Eu?Ropa! - Parte LXVI - Cachaça e ovos

"Galera, hoje não tem nem dúvida! O melhor lugar de Budapeste é esse Domby Bar! Tá aqui na internet, ó..."

Marley e Hector, dando de ombros, largaram um "tanto faz", mais por preguiça de estender a conversa do que pela credibilidade de Feitosa.

No fim das contas, depois de muito procurar, finalmente encontraram o lugar.
Ao entrar, quadruplicaram o número de pessoas no ambiente, juntando-se ao barman.

A bebida mais barata era a dose pura de vodka, que custava uns vinte reais. Fora a gorjeta.

Bem, se era pra pagar caro, que fosse com estilo, então!
Cada um escolheu um drinque (olhando mais a coluna da direita que a da esquerda).

Mas para quase tudo há limites.

Marley não conseguiu se conter quando viu um ovo sendo quebrado:
- Porra! Egg drink?!

Hector bem que tentou argumentar, mas seu Pisco Sour virou motivo de piada.

Ao menos até Marley sair-se com mais uma de suas pérolas:
- Hey! Can I see that Ypióca? - perguntou a um embasbacado barman.
- Are you from Brazil?
- Yes! I'm from the land of Ypióca! - dizia, enquanto solenemente erguia os olhos ao céu e botava a mão sobre o peito.

E passou a explicar como se bebia a dita cuja por aqui:
- Or caipirinha or glap... glap... - estalava a língua ao virar doses imaginárias de cachaça.

Foi um discurso tão bonito, que até pegou mal quando Marley levou uma dose de vodka - ao invés de pinga - pra viagem.

Nem tanto(a) cultura assim

Chegou com status de popstar...
Ela, que viria para salvar ao menos uma meia dúzia de almas da (bisonha) mentalidade tecnobrega.

Se você não vive em São Paulo, Campinas, Porto Alegre ou Recife, morra de inveja.
Se vive, morra com a minha.

Eu ia dizendo que Fortaleza, agora, tem Livraria Cultura.

Olhando de longe, ela até parece com as outras filiais.
Mas – é claro! – não poderia deixar de dar o seu toque provinciano.

Narrarei um fato real.
Previno-lhes já: será difícil acreditar.

- Por favor, vocês têm Ortega y Gasset?
- Eu verifico para o senhor... É de qual autor?

(silêncio)

- É um livro só que o senhor estaria querendo? Ou são dois?

(tentando acreditar; checando se não é algum tipo de piada)

- Não, não... Esse É o autor.
- Ah, tá!

(clica, clica, clica)

“Autor: Ortega e Garc”...

- Quer saber? Não precisa procurar, não. Acho que eu vi um Ortega entre a “Menina que roubava pipas” e o “Caçador de livros”... O Garcez (Garcês???) deve estar ali na sessão infantil. Obrigado.

Moral da história: nenhuma.
Era só pra rir, mesmo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Diálogos

Já se passou uma semana, e eu ainda não perdi essa mania de conversar com você.

Tá vendo? Estou eu aqui fazendo de novo!

Bem, desta vez, queria só dizer que pensei num negócio engraçado.

Sempre que falo com você, a imagem que tenho é essa de agora: no auge da vida, transbordando juventude.
E vai ser assim pra sempre. Claro!

Agora, pense em mim...
Ontem eu era mais jovem que hoje, e a cada dia será pior.

Ou seja, enquanto eu estou condenado a ter rugas, varizes e mau humor crônico nas memórias alheias, você será sempre lembrado com vinte e cinco.

Sacanagem!

Eu?Ropa! - Parte LXV - Risgódatíquétchurráide

Tem gente que não entende quando eu digo que a mochila não é uma bagagem, mas um estado de espírito.
Mochileiros são solidários... Fazem de tudo para a viagem - a sua e a alheia - nunca terminar.

Hector estava lá, parado na estação. Tinha acabado de se desviar de trocentos húngaros oferecendo hotel, táxi, câmbio, e outras coisas que nem chegou a entender.

De repente:
- Você vai ficar aqui em Budapeste?
- Sim - meio desconfiado, Hector responde.
- Comprei um tíquete de metrô que vale por uma semana, mas só usei dois dias. Toma aí!

Foi tão rápido, que nem deu tempo de agradecer.
Mas tão significativo, que agora está aqui, registrado.

Obrigado, mochileiro desconhecido.

Eu?Ropa! - Parte LXIV - Roda mundo, roda gigante

Aqueles dias em Viena sempre tiveram um objetivo secreto.

Sabem como é, né?
Tem coisas que só se compartilha com quem é muuuuuuuito intimo.
Por isso, só conto pra vocês.

O que eu ia dizendo mesmo?
Ah! Lembrei!

Falava da minha vontade em conhecer a famosa roda gigante.

Isso tudo por causa daquele filme: "Antes do amanhecer".

Já até sei o que vocês vão dizer...
Que é filme de mulherzinha, e que vou contar pra todo mundo, e que "rãããããn, tô te estranhando", e blablablá.

Fazer o quê?
Debaixo desta casca grossa tenho também uma porção romântica.
E é dessas que fazem a pessoa chorar até na hora em que a mulher voa livre-leve-e-solta no pescoço do marido/namorado/amante em comercial de absorvente.

Mas acreditem em mim quando eu digo que a roda gigante não é tão legal quando, ao invés do seu chuchuzinho, pitelzinho, cuticuticuti, há um bando de pivetes indóceis.

Tanto faz.
Sem a tampa da minha panela, não tinha muito sentido mesmo...

Fez pr'aquele casal do vagão ao lado.
Casaram a alguns metros de altura, com uma vista maravilhosa.
E certamente com a cena de algum filme na cabeça.

Não esqueço...

Psssssssssssssssssst!
Escutem.

O dedo fere a corda.
Antes que dê tempo de pensar, algumas outras.

Quebrando a sequência, o polegar arrasta com ele duas, três, quatro notas.

Surge uma batida indolente.

Vira uma batalha: um ataca os agudos melódicos, outro descansa preguiçoso na harmonia precisa (em todos os sentidos).

O céu!
Daqui não saio.

Quem ganha? Ninguém.
Um depende do outro pra ser perfeito.

Até que harmonia e melodia param para a entrada triunfante da flauta.
E ela não se faz de rogada.
Destila um som doce que não faz enjoar.
Mais, mais, mais... Mais!

A vida é bela, o mundo é perfeito.
Não pode ter defeitos um lugar em que se pode ouvi-la.

Que covardia!

A mesma música.
Pode até ficar esquecida um tempo, mas sempre volta.

E todas as vezes causa o mesmo impacto: condena-me a um insistente e prazeroso "repeat".
Não fala nada, mas diz muito.

Consegue em algumas notas o que eu não posso com infinitas palavras.

"Inesquecível".

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Eu?Ropa! - Parte LXIII - É comigo?

Branco, cabeça raspada, cara de mau.
Segurança.

- Se vocês quiserem entrar para dar uma olhada, fiquem à vontade! Este bar é muito legal, etcétera, etcétera, etcétera... - disse ele, em Inglês.

Ficaram perplexos.
Não era sempre (digo, era nunca) que recebiam uma saudação cordial de um germânico. Amistosa, poder-se-ia dizer.

Checaram para ver se não era uma armadilha. Não.
Será que a luz estava deixando todo mundo com uma cor branca azeda? Não.
Os germânicos descobriram que não são os únicos homens do universo? Hahahaha! Deuses! Claro que não!

- Vocês são brasileiros? - falou, em bom Português. "Eu sou austríaco, mas minha mãe é brasileira".

Ahn, bem!
Está explicado...

Aliás, explicado e provado que existe gente legal por lá.

(Pra bom entendedor, meia nacionalidade basta.)

Eu?Ropa! - Parte LXII - Camarão que dorme a onda leva

Depois de se recuperarem de uma noite mal dormida, a Áustria (esse protetorado da Alemanha) abria-se sob os seus pés.
A primeira coisa que fizeram foi procurar um lugar para comer.

Nordsee foi a escolha.
É basicamente um fast food de frutos do mar, a um preço satisfatório.

Feitosa já se esbaldava com suas iscas peixe com batatas, e Hector preparava-se para dar a primeira mordida em seu filé:

- Quanto vocês pagaram no prato de vocês? - perguntou Marley, ainda esperando ouvir valores altíssimos, única forma ainda possível de aliviar o seu sofrimento.
- Seis euros.
- Oito euros, com refrigerante, sobremesa, tapetes e frisos laterais.
- Puta merda! O meu prato foi vinte e cinco euros! - explicou nosso amigo, enquanto tentava conter uma furtiva lágrima.

O motivo de tanta exorbitância (ele que não me escute): Marley pediu um prato de camarões gigantes...
Camarões! Em Viena!

Confesso que até aquele dia, o único camarão austríaco que tinha visto na minha vida foi um turisto incauto que passou o dia na praia de Copacabana sem protetor solar.

Aprenda, Marley: raridades custam caro...

As dores do mundo

Não.

Se você pensou que este texto teria alguma coisa a ver com o Jota Quest, está redondamente enganado.

Refiro-me, na verdade, a Schopenhauer.

Eu sei, eu sei: é chato, mas eu tenho que falar.

Filosofia é o assunto preferido de cem entre cem bundões pseudo-intelectuais.
E eu, como integrante confesso dos bundões pseudo-intelectuais, sinto-me na obrigação de buscar o seu auxílio sempre que algo me aflige.

E vocês já perceberam que algo tem me afligido demais ultimamente.

Nem procurem saber por quem os sinos dobram...
Eles dobram por vocês, por mim. Por todos nós, enfim.
Talvez façam mais barulho aqui, nos meus ouvidos; mas tenho certeza que estão reverberando mais ou menos fortes aí, nos seus.

Mas voltando a ela, à filosofia:

"Querer é essencialmente sofrer, e como o viver é querer, toda a existência é essen­cialmente dor. Quanto mais elevado é o ser, mais sofre... A vida do homem não é mais do que uma luta pela existência com a cer­teza de ser vencido..."

Parece ruim, mas não é.
Pelo contrário.

É uma afirmação da vida sobre o nada.
Sem a dor, viver simplesmente não faria sentido.

E é exatamente por este motivo que hoje estou mais distante do que nunca do "nada".
O mais próximo possível da vida, portanto.

Posso dizer que esta foi a última de muitas lições que um certo alguém me ensinou.

domingo, 4 de julho de 2010

O perverso mundo das ideias

"[...] um tipo de homem que não quer dar razão nem quer ter razão, mas que, simplesmente, mostta-se decidido a impor suas opiniões. Aqui está o novo: o direito a não ter razão, a razão da sem razão. Vejo nisso a manifestação mais inequívocado novo modo de ser das massas, por ter se decidido a dirigir a sociedade sem ter capacidade pra isso. Na sua conduta política, a estrutura da alma revela-se da maneira mais crua e contundente, mas a chave está no hermetismo intelectual. O homem médio tem 'ideias' dentro de si, mas carece da função de idear. Nem sequer suspeita de qual é o elemento sutilíssimo em que vivem as ideias. Quer opinar, mas não quer aceitar as condições e pressupostos de todo ato de opinar. Esse é o motivo de suas 'ideias' serem apenas desejos com palavras, como os romances musicais."

Obviamente, não fui eu quem escreveu.
Mas assino embaixo.

Aeroportos

Há mais solidão no aeroporto que num quarto de hotel barato.

Sinto agora isso na pele...

5h21, domingo, aeroporto.
Aguardo. Em breve, estarei a caminho de casa.

"casa"...

Uma palavra com tantos sentidos. 

Volto.

Mas o que encontrarei por lá?
Assusto-me um pouco.

O que encontrarei?
Tremo.
Temo.

Provavelmente, as mesmas coisas, as mesmas pessoas.
Mas sinto que, desta vez, tudo será diferente.

Não sei exatamente o motivo.

Ou melhor, foram tantos motivos - todos decorrentes direta ou indiretamente de uma mesma causa - que não me sinto capaz de eleger um único.  

Sem conseguir fugir do clichê (não criado por mim, mas adotado por amado à primeira vista), digo que voltar é partir para outro lugar.
 
Foi uma revolução. Talvez a mais forte, talvez a primeira.
O que importa é que hoje me sinto diferente de tudo que já fui antes.

Dispo-me, mais do que nunca, da minha casca. 
Não sei se bom ou ruim, mas "eu"...
E é esse "eu" que eu próprio começo a descobrir.

Há tantas coisas assim com que valha a pena se importar?
A impressão que me dá é que agora, pra mim, são dez vezes menos coisas dez mil vezes mais importantes. 

Ai!
Tenho tanto medo de voltar como tive de partir.

Tudo isso porque, no fundo, receio uma vida que será a minha própria, e da qual não posso me precaver. Não sei como ela é. Não sei como sou.