segunda-feira, 19 de abril de 2010

Grandes pensamentos anônimos

"Pessoas brilhantes falam sobre ideias.
Pessoas medíocres falam sobre coisas.
Pessoas pequenas falam sobre outras pessoas".

Pessoas insuportavelmente chatas falam sobre Direito - acrescento eu.

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte XV - Forito

Barulho. Muuuuuuuito barulho!
Vinho frisante fazendo cabeças.

Jajão falava, gesticulava, ria, enquanto a menina da sua frente abria os braços e fazia cara de quem não entendia nada.

Hector, só por curiosidade, resolveu passar por perto, ainda a tempo de ouvir um: “Você é una tchutchuquita gostosita”...

Jajão largava a sua lábia com a fluência dos que acham que Espanhol é feito Português, só que com um “ito” no final.

No desespero, agarrou-se a Hector e pediu ajuda.
Era simples: bastava verter tudo o que ele falasse.

Por motivos óbvios, não posso revelar o que foi dito.
Mas asseguro que não surtiu o efeito esperado...

Acabou levando um fora. Ou melhor, “forito”.

domingo, 18 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte XIV - Tu vienes siempre acá?

Tinham acabado de deixar o seu hotel em Mendoza, e, pra variar, estavam perdidos.

Resolveram, então, unir o útil ao agradável.
Viram uma Mercedes em movimento, com quatro meninas.

Um fanfarrão sugeriu:
- Vamos pedir pra elas encostarem... Quem sabe a gente não consegue puxar um papo, né?

Riso geral.
O autodeboche estava em voga na viagem.

Lá iam eles passar vergonha. De novo...

Emparelharam, buzinaram, acenaram, mandaram beijinhos, e pararam, meio sem esperança, no cantinho da rua.
Para total surpresa dos quatro, elas pararam do lado.

“Donde es la Calle Aristides Villanueva?” – a pergunta era sobre o lugar mais badalado da cidade.

Pensaram, confabularam, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, ti, ti, ti, ti, ti, ti, ti, ti, ti, e decidiram; iam nos levar lá!
Mas depois não podiam ficar; tinham que ir pra faculdade.

Levaram mesmo.
E foram embora.

Mas ficaram de voltar mais tarde, pra indicar qual era a melhor boate.
Só não iam poder ir com a gente, porque tinham aula no dia seguinte, e num-sei-que-num-sei-que-lá.

Voltaram, levaram.
E foram embora.
De novo!

Não deixaram telefone, endereço, e-mail, nada.

Ou seja: ou eram malucas, ou faziam faculdade de Turismo...
Talvez, as duas coisas.

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte XIII - Chinchu-quê?

Faltava ainda encher o bucho.
Decidiram que, depois de toda aquele tensão, mereciam algo mais requintado do que macarrão...
Desde que, é claro, coubesse em seus micro-orçamentos.

Placa atrás de placa, apareciam os anúncios: “Parrillada – 8 pesos”, “Parrillada – 7 pesos”, “Parrillada – 6 pesos, para 5 personas”.

Não faziam nem ideia do que era a tal.
Mas o dicionário serve pra isso mesmo, né?

Não tinha “parrillada”, mas tinha “parrilla”.
Estava assim: “par-ri-lla: churrasqueira”.

Pensaram:
- Uau! Realmente, a Argentina é a terra do churrasco... Comer um churrasquinho por 6 pesos? Maravilha!

Acharam que iam se fartar.
Até cogitaram largar os pacotes de macarrão que ainda guardavam, pra só comer carne até o fim da viagem.

Na próxima placa, tchum. Entraram.

Quanto o prato chegou, todo mundo olhou meio desconfiado.
Uns formatos esquisitos, cores escuras, mais moscas que de costume...

Hector conseguiu catar, naquele amontoado de carne, uma que parecia uma orelha.
Pasmem, mas era a peça mais apetitosa.

Decidiram, então, perguntar o que era maminha, o que era picanha, o que era alcatra... Essas coisas que, efetivamente, deus botou no mundo para serem comidas.

O garçom, muito sorridente, dizia “chinchulin”, “chinchulin”, enquanto apontava para o pedaço mordido no garfo de Hector, que mastigava ainda meio desconfiado.

Lacerda, então, tentando dar um fim ao impasse idiomático, apontou para as próprias nádegas perguntando “chinchulin?”.
Com isso, tentava saber se aquele chinchu-não-sei-das-quantas significava “picanha”.

“No!” – disse o garçom.

E, apontando pra dentro da barriga, como que para indicar o intestino, dizia “chinchulin”!

Hector cuspiu.
E aí, foi chinchulin pra tudo quanto é lado...

Acabaram comendo macarrão, que é muuuuuuito mais seguro.

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte XII - “To the left, to the left”

Hector era o único dos quatro que sabia identificar se um mapa estava ou não de cabeça pra baixo ou do lado avesso.
Os outros três só acertavam os direita/esquerda metade das vezes.
Ou seja, quando Hector não estava olhando, ficavam todos ao deus-dará.

Mas, depois de um pegapacapá com a dupla que estava na direção - por um motivo justíssimo, diga-se de passagem -, resolveu fazer greve de seu posto de navegador.

Ficaram, então, feito cucarachas tontas na Sierra Maestra.
E o ponteirinho do combustível descendo, descendo, descendo...

Duas horas perdidos.
Nenhum carro à vista.

Conseguiram encontrar um pastor, que, com toda a calma, carregava as suas lhaminhas.

- Holas! Donde hay una estación de servicio? – largou Hector, com um espanhol mais argentino que o de qualquer hermano.
- Qué?!

Para desespero deles, aquele indivíduo parecia nunca ter ouvido falar em posto de gasolina.

Mas ao menos sabia apontar o caminho.
Era atrás daquele morro láááááááá do outro lado...

Coçaram a cabeça...
"E tem jeito?"

Resolveram que, dali pra frente, só iriam descer.
Afinal, tinham que economizar as últimas gotas do tanque.

Foi aí que, lembrando da Bruxa de Blair, resolveram gravar um vídeo para explicar a sua morte em circunstâncias tão esquisitas.

Mas nem isso fizeram direito.
No meio da gravação, vruoooooooooooooon... O único carro surgido durante a tarde inteira passa a toda velocidade.

Risos gerais. Alegria ou desespero?

Nem deu tempo de saber...
De longe, viram o posto. Era, finalmente, a salvação.
Ou não.

Só muito perto perceberam que algo ali estava meio esquisito.
Pára, não pára, pára, não pára, pararam.

Hector foi lá conferir.
Na loja de conveniência, ao invés de cervejas e salgadinhos, uma família inteira jantando.

Não sabia se saía correndo, chorava, ou falava alguma coisa.
Não fez nenhum dos três... Ficou parado com cara de palhaço, até finalmente perguntarem o que queria.

“Nafta” foi só o que conseguiu responder, num tom de quem pede água no deserto.

Só parou de chorar quando descobriu que tinha um posto funcionando ali na esquina seguinte. Era só, ao invés de seguir reto – para onde, aliás, estavam indo os quatro –, virar a esquerda.

Aí, encheram o tanque de gasolina.
E o estômago de cerveja.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte XI - Bate o sino pequenino...

Resolvemos visitar uma igreja.
Tá... Não é dos programas mais divertidos, mas ia ser difícil explicar que visitamos um país católico sem botar os pés em uma.

Passeio guiado.

[bocejo]

Anda pra cá, anda pra lá, imagem disso, imagem daquilo.
Resumindo: um pé no saco!

Apareceu então uma oportunidade única: aquela escadinha levava à torre, onde, segundo o guia, ficavam os quatro sinos que tocavam, pontualmente, às seis horas, todos os dias.

Pois acho que os anjinhos das consciências resolveram ficar lá embaixo, rezando.
Aí, os diabinhos fizeram a festa!

O primeiro soprou no ouvido de Lacerda: “Uma batidinha só não faz mal”...
E bléééééin!

Aí, o de Shmaicols pensou: “Se ele bateu, você também pode”...
Blóóóóng!

E veio a sinfonia Blin-blén-blón-blin-blin-blén-blón.

As pessoas na praça coçavam a cabeça, olhavam o relógio...
Por que diabos aqueles sinos, às quatro e trinta e sete?

“Pelos nossos”, pensávamos nós... “Pelos nossos”!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte X - Olha o passarinho...

Foi em Córdoba que se notou pela primeira vez aquele hábito esquisito.

Todo mundo andando, e, de repente, Jajão soltava uma risada.
Paravam pra conversar, outra risada.
Olhavam o mapa, mais uma risada.

Depois de um tempo, todo mundo passou a achar normal, e nem se perguntava mais o porquê.
Afinal, não era a única esquisitice.

E foi assim que, durante quase toda a viagem, ignoraram que estavam correndo um seriíssimo risco.
Só depois de muito se foi descobrir o porquê da excentricidade.

Jajão é um amante das – segundo suas palavras – “fotos espontâneas”.

Explico: todo mundo já sabe que ângulo mais lhe favorece.
Então, na hora do retrato, levanta o nariz, vira o rosto pra esquerda, abaixa a sobrancelha, ri pro lado direito, e assim vai.

Vê se alguém pensa: “Vou bater uma foto tirando meleca, pra revelar como sou eu no dia a dia”?

Até aí, tudo bem. A gente aceita...
Legal a ideia de bater fotos em poses não planejadas.

O problema era como ele a executava.

Tascava o dedo no botão do timer, e largava a máquina em qualquer lugar.
Esperava dez segundos, e soltava a gargalhada.

O negócio era tão grave que, uma vez – e foi aí que descobriram a peripécia –, ele deixou a câmera do outro lado de uma avenida movimentadíssima.
Resultado: ela largada lá, do outro lado, dando sopa pra todo mundo que passava, e eles tentando atravessar a rua para resgatá-la.

Pena que ninguém bateu uma foto nessa hora.
O desespero foi bastante espontâneo.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte IX - Puta Quil-mes pariu

Shmaicols e Lacerda estranharam quando abriram os olhos.

Poucas horas atrás, tinham entregue a direção do carro no caminho exato de Córdoba: uma linha reta!

Agora, às 6 da manhã, estavam num bar na beira da praia.
"Mas em Córdoba não tem praia", pensaram eles.

E estavam totalmente certos.

Jajão, olhando para o chão, tentava explicar:
- É que eu vi uma placa dizendo que Miramar era legal... Resolvi arriscar! Achei que vocês não fossem se incomodar.

Contaram até dez.
Entre bufadas, pensaram em enforcamento, afogamento, empalamento...

Mas perceberam no esquivo olhar do amigo sinais de um sincero arrependimento.
Decidiram condená-lo apenas ao silêncio.

Hector tentou quebrar o clima:
- Galera, já estamos na Argentina há quase um dia, e ainda não tomamos nenhuma Quilmes! Um absurdo!

A moção foi aprovada por unanimidade (três votos).

Rodaram todas as quatro ruas da cidade em busca de qualquer birosca.

Como um oásis no meio do deserto, surgiu o emblema gigante da cerveja pintado na parede de um bar ainda – e não "já" – aberto.

Sentaram na mesa e, sedentos, pediram a tão desejada cerveja, única que poderia afogar as suas mágoas.

Má notícia: “Desculpen. El bar está cierrando. Estamos solo limpiando”.

No auge do desespero, apelaram:
- Mas viemos do Brasil SÓ pra conhecer este famosíssimo bar!

O perfeito sotaque argentino de nossos amigos tinha, durante todo o tempo, camuflado a sua nacionalidade.
Mas a palavra Brasil acabou agindo feito mágica.

Na mesma hora, a garçonete berrou:
“José Juan Pablo António, baja una cerveza para los cuatros galanes* brasileños!”

Aaaaaaaaaaaaah!
Já começavam a especular: qual seria o sabor da famosa Quilmes?

Não descobriram.

O dono do bar, em homenagem aos ilustres visitantes, serviu-lhes uma estupidamente gelada... Brahma!

Como se não fosse o bastante, ainda foram obrigados a provar a pior bebida já inventada pela humanidade: o fernet com coca-cola.

Em respeito à boa e velha camaradagem entre brasileiros e argentinos, até tentaram dar uns goles, mas foi impossível.
Trocariam por xixi, se lhes fosse dada a opção.

Largaram o copo cheio, jurando que o fernet era uma delícia.
O problema, definitivamente, era a coca... Blergh!

Saíram por la tangente.

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte VIII - Ouro de tolo

Saindo de Corrientes, indo pra Córdoba.

Logo de cara, encontraram uma placa “Córdoba [setinha pra direita]”.
No fim da rua, setinha pra esquerda.
Mais adiante, setinha pra frente.
E assim foram, placa após placa.
Fácil, fácil...

Em meia hora, chegaram. Na Calle Córdoba.

Múltipla escolha

Quem é o pior motorista?

(a) Criança cega em brinquedo bate-bate;
(b) Velhinha com Parkinson dirigindo ônibus;
(c) Rubinho Barrichello pilotando com os pés na Fórmula 1;
(d) O cearense.

Parabéns.
Acertou quem respondeu “Puta merda! Ninguém dirige pior que o cearense!”.

domingo, 11 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte VII - Hoje é sesta lá no meu apê...

Bolas de feno passando, portas batendo.
Só faltou um saloon para completar a cena dos filmes de faroeste.

Assim, nossos amigos foram recepcionados em Corrientes.

A impressão que dava era a de que a cidade tinha sido evacuada depois da ameaça de uma catátrofe qualquer.

Andavam e escutavam os ecos dos próprios passos.

Mas o barulho que, definitivamente, incomodava mais era o das suas barrigas.
Não havia um lugarzinho sequer onde pudessem encontrar água fervente pra preparar suas escassas provisões.
Aliás, nem fervente, nem morna, nem fria.

Acharam melhor voltar outra hora.

Na Argentina, dá sete anos de azar perturbar alguém na hora da sesta.

sábado, 10 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte VI - Gaútcho, tchê!

Lacerda ao volante.
Parou para pedir informações.

Ptiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii [baixou o vidro]

Um sujeito, preguiçosamente, tomava um chimarrão.

Fon-fon [isso todo mundo sabe o que é, né?]

- Bom día! – tascou Lacerda, forçando ao máximo seu sotaque do norte argentino.

Aí, o indivíduo que estava semi-acordado, num átimo, como que reconhecendo um velho amigo, deu um salto de alegria, e, correndo na direção do carro com os braços abertos, respondeu:
- Tu é gaútcho!

Lacerda, fingindo não ter percebido, acelerou com toda a força e, cantando pneu, deixou seu colega com o bigode todo empoeirado.

Passou as três noites seguintes suando e berrando: “Eu sou macho! Eu sou macho! Eu sou macho!”.

Tudo o que eu sei é que, até hoje, ele não consegue falar sobre o assunto.
Respeitem, por favor.

Hihihihi...

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte V - “Hoje não! Hoje não! Hoje sim... Hoje sim...”

Cataratas do Iguaçu. Estação do trem que leva à Garganta do Diabo.
Todos querem ver a mais famosa atração. A fila é gigante.

Saídas só de hora em hora, mas a próxima dali a cinco minutos.
Seria o primeiro golpe de sorte da viagem?

A placa não era nada animadora: apenas 50 felizardos teriam a oportunidade de ir daquela vez.
Poucas esperanças, considerando o tanto de gente que estava por ali.

Por via das dúvidas, resolveram contar:
- Quarenta e sete, quarenta e oito, quarenta e nove, cinquenta! – dizia Shmaicols, apontando o dedo para o quarto e último integrante da trupe.

Por alguns segundos, ficaram perplexos.
Aquele, definitivamente, era um presságio... A sorte estava mudando!
Afinal, quando poderiam imaginar serem eles – logo eles! – os sortudos a ocuparem os últimos lugares, tão disputados.

Naaqueles cinco minutos que faltavam para a partida, o mundo foi todo felicidade.

Ou melhor, até o quarto minuto.

Porque no quinto, no último, quando a fila já dava sinais de que ia andar, surgiram duas sombras no horizonte.

Câmeras penduradas no pescoço, camisas floridas, andar vagaroso...
O casal de velhinhos era tão simpático que, na hora, (quase) todos na fila deram aquela quebradinha no pescoço e soltaram um “oooooooooohn”.

Mas nossos quatro amigos não acharam tão bonitinho assim.
Prevendo as catastróficas consequências que o exercício da prerrogativa de idade poderia trazer à sua viagem, discretamente tentavam acelerar a fila, dando ligeiros empurrões nos que estavam à frente.

Suspense.

A decisão ficaria para o photochart.

Na hora H, Lacerda atirou-se de cabeça na entrada.
Enquanto esticava o pescoço, viu uma bengala, no sprint final, ultrapassar a linha de chegada.

Aquele velhinho, definitivamente, sabia usar suas armas.

Como que desdenhando da derrota alheia, ainda soltou um “Muchas gracías, hijo”...

- Poupe seus gracejos! A nós, você não engana... – foi tudo o que pensaram os nossos amigos.

Tiveram que sorrir amarelo e, meio envergonhados, meio descrentes, viram o funcionário esticar a corda na sua frente.

Iam ter que esperar por uma hora.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte IV - GPS, pra que te quero?

Jajão passava quase o tempo inteiro cutucando o seu mais novo brinquedinho tecnológico: um palmtop com GPS.
Hoje em dia, todo mundo tem, mas na época, a gente só ouvia falar dele em reportagens sobre lançamentos de foguetes (Tá... Foi mal! Exagerei. Mas eu juro que não era tão difundido quanto hoje).

Mexia pra lá, mexia pra cá, levantava o aparelhinho, sacudia...

Ah! Lembrei!
Ele dizia que, pra funcionar de verdade, só faltava “calibrar”.

Mas depois de passar algumas horas compenetrado no aparelhinho, vinha sempre com alguma frase estapafúrdia:
- Pronto, galera! Meu GPS está dizendo que estamos a 127km de Nova Ior... Ops! Acho que errei alguma coisa. Espera.

Sem perderem tempo, nossos amigos acabavam se guiando mesmo pelos velhos mapas comprados por R$ 2,99 – que, apesar de não mostrarem a maioria das cidades e das estradas, pelo menos não erravam de continente.

E foi até bom, porque Jajão, depois de uma semana calibrando o seu aparelho, acabou tendo uma severa crise de pânico achando que iam todos morrer afogados no meio do Oceano Pacífico.

Tinha errado nos cálculos. De novo.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte III - As milagrosas toalhas de nadador

O problema de espaço era evidente.
Fossem os quatro rapazes levar tudo aquilo de que precisavam, e teriam que deixar o estepe de fora.

Até cogitaram, mas, desta (única) vez, o senso de responsabilidade gritou tão alto que eles não puderam se fazer de surdos.
As malas tinham que diminuir...

Alguma voz sábia soprou:
- Por que vocês não compram aquelas toalhas i-ra-das de nadador? Elas quase não ocupam espaço e não ficam molhadas...

Nem percam tempo perguntando se algum dos quatro pensou em testar as benditas.
Acreditando terem descoberto o elixir da longa vida, meteram os apetrechos nas mochilas e vibraram com os centímetros cúbicos que acabaram economizados.

E pagaram caro por isso...
Foi logo no primeiro banho que perceberam por que a toalha nunca ficava molhada: ela simplesmente espalha a água. Não absorve lhufas!

Seguiram-se então cenas patéticas: Araxá fazia polichinelos para se secar, e Shmaicols rolava nos lençóis, deixando marcas de um banho mal tomado.

Isso, enquanto todos amaldiçoavam mentalmente aquele indivíduo que os apresentara ao engodo – e que, naquela hora, devia estar dando risinhos sádicos embaixo de seu felpudo roupão de banho.

Tomaram então uma decisão drástica: deixar Jajão no Brasil, e comprar três toalhas de verdade, para colocar no espaço da mala que ficaria.
O problema foi que ele, recusando-se a cumprir a democrática decisão, agarrou-se ao banco do carro na hora da partida...

As coisas não podiam ficar daquele jeito... Tinham que encontrar outra solução.
E encontraram.

Só que essa é outra estória..

terça-feira, 6 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino - Uma aventura no Cone Sul - Parte II - BICampeã!

Noite. Chuva.
Condições perfeitas (cof, cof) para se viajar de carro por sendeiros desconhecidos.

Não fosse o bastante, o poderoso Fiesta de Shmaicols ainda era equipado com uma película que excedia, em muito, os limites da lei. O carro era mais ou menos como um Fernandinho Beira-Mar dos insulfilms.

Resultado: o piloto acabava sempre tendo que dirigir com a cabeça pra fora da janela.

Se a cena fosse só ridícula, eles com certeza teriam continuado.

Mas depois de teram sido quase sugados por um par de abismos, foram obrigados a lidar com o problema.
Pararam no posto de gasolina e começaram – primeiro rindo, depois blasfemando – a tirar a $%^#$%!.

Passada quase uma hora, só tinham conseguido arrancar, além das próprias unhas, uma meia dúzia de pedaços ínfimos do plástico preto.
Foi então que uma alma – que, dado o breu em que se encontravam, só pode ter sido iluminada pelo micro-orifício conquistado a duras penas – teve uma ideia que revolucionaria toda a indústria do tunning automotivo mundial.

Aposto que vocês nunca repararam, mas a tampa da Caneta BIC foi desenhada especialmente para a tarefa.
Teste-a no seu pára-brisa, e você verá que eu não minto.

De uma hora para a outra, o suplício virou uma festa.

Para resolverem a briga sobre quem ficaria com a tampa, estabeleceram um desafio: aquele que arrancasse o maior pedaço ficava com a relíquia. De quebra, ainda levava uma maria-mole mordida que haviam encontrado embaixo do banco do carona.

E foi assim, brincando feito crianças, que nossos amigos viram de verdade, pela primeira vez, as estradas argentinas.

Inebriados, viram os primeiros dos muitos, muitos, muitos metros que iriam percorrer por lá.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quatro amigos, nenhum destino – Uma aventura no Cone Sul – Parte I – Um Ford Fiesta e 192 pacotes de macarrão

Quando Hector entrou, Shmaicols, Jajão, e Lacerda já estavam no carro.

“E aí? Vamos pra onde?”

A pergunta pode até parecer sem sentido para o resto do mundo, mas nem tanto para eles.

Foram seis meses programando, marcando, fazendo contas...
Tudo com tanta competência que, horas antes da viagem, ninguém sabia ao certo quem iria.
Mais alguns dias, e eles não iam ter certeza nem sequer dos seus nomes.

Surpreendente seria, então, que eles soubessem para onde iriam.
Não sabiam.

Ao menos, faziam vaga ideia: “Pro Uruguai ou pra Argentina?”.
Decidiu-se pela segunda opção. Mas voltando pela primeira.
Até hoje ninguém sabe se foi o destino quem escolheu, ou se foi só a ordem alfabética, mesmo...

O Ford Fiesta 1.0 estava equipado com tudo o que eles precisavam.
A mãe de Jajão tinha preparado uma sacolinha com sanduíches de presunto, e a de Schmaicols uma jarra de limonada. Quitutes que duraram, respectivamente, 37 segundos e 2 minutos.

Não fosse pelas pervertidas intenções do quarteto, e pelas mochilas e casacos tapando o vidro traseiro, eles bem que poderiam se fazer passar por colegiais indo passar as férias em Cabo Frio.

Na bagagem, apenas uns pares de cuecas velhas, um Hipoglós, um guia com dicas de hospedagem para mendigos, um dicionário Portuguêis-Ispanhol comprado na loja de R$ 1,99.

E, mais importante que tudo, um número friamente calculado de macarrões instantâneos: 2 para cada pessoa por dia de viagem.
Não. Não eram reserva, em caso de acidente...
A ideia (cumprida à risca, salvo única – e trágica – exceção) era a de comer SÓ macarrão durante a viagem.

E a razão disso não foi a milagrosa dieta dos carboidratos industrializados do Dr. Iscrãbous, e sim a seriíssima escassez daquele que sempre moveu a humanidade: dinheiro.
Mas quem precisava de “la plata”, afinal?

Definitivamente, não esses quatro universitários em busca de qualquer coisa que ainda não tivessem procurado.

No longo caminho para Foz do Iguaçu, bolou-se o esquema, aparentemente simples: enquanto uma dupla revezava-se ao volante, a outra dava o seu jeito de descansar no banco de trás, entre meias sujas, malas, casacos, pacotes de macarrão e garrafas d’água vazias.

Uma noite na estrada, e uma noite de suposto descanso em algum pocilga barata (“suposto” porque, geralmente, o descanso era trocado por alguma esbórnia).

A única parte realmente difícil da estória foi decidir quem teria que formar equipe com Jajão e toda a sua retórica humorística ininteligível.
Hector, claro, pra variar, levou a pior.

Acho que, em um único momento da viagem, ele conseguiu entender alguma parte das sempre atuais piadas de seu Robin. Algo do tipo:
- Aí, aí, aí... Essa é muito boa: Sabe o que a chave disse pra fechadura?

Só que, por alguma razão pra lá de desconhecida, Jajão sempre emendava suas frases em risos tão descontrolados que precisavam ser contidos por Hector:
- Cara, faz o seguinte, dá uma olhadinha no mapa, e calcula a distância entre er... Manaus e... er... Ushuaia. Em polegadas!

Com isso, ganhava alguns minutos de um merecido silêncio.

E foi assim – digo, apesar disso – que chegaram à capital (inter)nacional dos sacoleiros.
Era só o começo da aventura... E estou falando sério!