terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ah!rgentina - Parte III - Dentro del pecho pide rienda el corazón

Bim-Bóóóóóm
“Hector Melendez e Senquévis da Silva, favor identificarem-se através da chamada de comissários.”

Pronto. Ferrou. Encurralado no avião, sem chance de fuga. Sobrevivência, Hector... Sobrevivência! Dê o seu jeito. Rápido! “Pois não, senhor, o quê, se eu eu conheço algum Senquévis, quem, aquele polonês, só de vista senhor, do trabalho, não senhor, jamais teria combinado de viajar com ele, não, encontrei no aeroporto e ele me perguntou se eu podia levar uma frasqueira para ele, o que, é claro que eu disse não, acha que fiz mal, não, não acredito, eu vi sim, mas quem poderia dizer que aqueles cremes todos eram armas biológicas, onde este mundo vai parar, se eu fosse vocês mandava esse sujeitinho direto pra Guantanamo com passagem só de ida”.

Genial, Hector! Genial...
Agora é só esperar o comissário, e fazer cara de surpresa.
Lembra daquele ator de Malhação?
Busque inspiração...
Inspira, expira, inspira, expira.

“Pois não, senhor?”
“Pe-pe-pediram pra eu me-me-me ide-de-de-dentificar...”
“O senhor é...”
“Melendez. Hector Melendez” – cuidado, não estrague tudo... – “E estou viajando sozinho! Não conheço absolutamente ninguém nesse avião!” – pronto, sua besta! Estragou tudo!
“Que bom, senhor.” (o que é pior: o sotaque paulista ou o risinho besta de comissário?) “O senhor pediu refeição especial?”
“Quê?!”
“Está aqui a sua refeição, senhor! Sem sal. Como o senhor pediu.”
“Tá doido? E eu lá vou comer comida sem sal?”
“Desculpe, senhor. Deve ter sido algum engano do sistema...”

É.
Depois não sabem por que tanta gente tem crise cardíaca nos aviões...

Ah!rgentina - Parte II - Bajo tu amparo no hay desengaño

Prezado Senhor Supervisor,

Informo sobre as ocorrências de hoje.

A máquina 3 quebrou novamente.
Sugiro solicitar o conserto à empresa responsável.

32 portadores de marcapasso identificaram-se aos agentes, e foram inspecionados manualmente.

Por fim, algo muito suspeito.
Um polonês tentou embarcar com 15 litros de líquidos e cremes (xampu, condicionador, protetor solar para sobrancelhas, hidratante de joelhos, removedor de esmalte, água sanitária e massa para reboco).
O conteúdo foi apreendido e guardado nas 3 caixas que estão com o nome “Senquévis da Silva”.

Cumprindo os procedimentos, avisei à Polícia Federal.

Atenciosamente.

Chefe do Setor de Raio-x
Aeroporto de Guarulhos

Ah!rgentina - Parte I - Hoy que la suerte quiere que te vuelva a ver

Hector, tranquilo, esperava a moça simpática terminar de embrulhar sua mala (quem já foi a Buenos Aires sabe que não vale a pena brincar com a sorte no Ezeiza).
Tudo pronto, saiu destilando seu charme zen-latino até o balcão da TAM.

“Hector, Hector!”

Virou-se e viu, lá na outra ponta, Senquévis balançando freneticamente braços e malas.

Pensou: “Coitado! Deve ser a emoção da viagem... Está ficando maluco. Será que ele não percebeu que está no balcão da companhia errada?”

Com um sorriso de complacência, e aquela balançadinha de cabeça de quem perdoe-ele-não-sabe-o-que-faz, tentava concatenar as palavras que seu amigo largava a esmo, com falta de fôlego e excesso de mãos:
- Avião, Buenos Aires, São Paulo, check-in, TAM, Gol, esperando, embarque.
- Calma! Respira. Pronto? Agora, fala...
- Nosso voo foi cancelado. Colocaram a gente na Gol. O avião sai daqui a... vinte e sete segun!

Só deu pra ouvir até o “segun”. Porque no “dos”, já estavam pulando sobre cabeças e faixas de segurança.

Não queriam emoções?
Nada melhor para começar...

Embarcaram.
Foi o que ouvi dizer.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O relógio

Tic, tac, tic, tac.
O relógio bate, impiedoso,
Marca o tempo que passa e já passou.

TIC, sou lascivo bebo cada segundo como se fosse o último... TAC, vivo o hoje sempre amanhã e nunca apaixonadamente... TIC, não deixo o tempo passar e me agarro ao seu mínimo átimo... TAC, o futuro é o melhor porque amanhã vai se tornar o presente... TIC, bela manhã essa que nasce... TAC, mais bonito é esse anoitecer... TIC, esse sol que ilumina as faces... TAC, que minha noite tenta esconder... TIC, que vida é essa... TAC, qu’eu sei que levo... TIC, não vê o hoje... TAC, penso amanhã... TIC, tempo veloz... TAC... que nem deixa... TIC, viver o tempo... TAC, que essa vida dá... TIC, preciso, rápido, agora, TAC, a favor, me deixa, mas por quê... TIC, não dá, fazer, TAC, talvez, pensar... TIC, logo, TAC, depois... TIC, já, TAC, não... TIC, sim, TAC, fim.

Tiiiiiiiiiiiic...
Taaaaaaaaaac...
Tiiiic...
Taaac...

Tiic... Taac... TIC... TAC... TIC, TAC... TIC, TAC, TIC, nunca para, TAC, para ninguém, TIC, tarde demais, TAC, adeus. Amém.

domingo, 22 de agosto de 2010

Sonhos

- O que é “sonho”?
- É aquele negócio que a gente tem quando dorme, oras!
- Se você está dormindo, como é que desiste dos sonhos?
- Do que você está falando?
- Me disseram que você desistiu dos seus sonhos... Quer dizer que você não dorme mais?
- Que conversa é essa, moleque?
- Andam dizendo por aí...
- Estão falando de outro tipo de sonho. E estão falando porque são bestas... Já passou o tempo de sonhar.
- Como assim “passou o tempo de sonhar”?
- Ah!, garoto... (suspiro) Na sua época era tudo tão mais fácil... Podia-se sonhar com tudo. Em ser piloto de fórmula um, jogador de futebol, ator de cinema. Acabar com as guerras, com a fome, com a música sertaneja. Mas hoje é tudo mais difícil.
- Por quê?
- Porque você cresceu, garoto. Quer dizer, porque eu cresci. Ou você cresceu, e virou eu. Ai! Você faz cada pergunta difícil!
- E você dá cada resposta difícil...
- Agora, me deixe trabalhar. Vai brincar com seus botões, vai...
- Mas eu ainda não entendi! Custa explicar?
- Eu já expliquei! É muito fácil sonhar quando não se precisa pagar contas, sustentar a casa. É mole quando não se conhece o mundo!
- Mas eu conheço o mundo! Vários mundos! Todo dia descubro um mundo novo...
- Só que isso vai acabar um dia. Você vai ver como é frustrante descobrir que nenhum desses mundos existe.
- O que é “frustrante”?
- Você e suas perguntas!
- (bico)
- “Frustrante” é quando você quis muito alguma coisa um dia, mas essa coisa nunca acontece.
- E eu vou ficar frustrado quando eu crescer?
- Você já cresceu, moleque. Já expliquei!
- Ué? Você diz que eu já cresci... Mas eu não estou frustrado.
- É que, quando você cresceu, deixou de existir...
- Se eu não existo, como você está falando comigo?
- Que mania chata de me fazer pensar, garoto!

sábado, 21 de agosto de 2010

Trópicos de Câncer

Há livros que simplesmente não deveriam virar filmes.

Refiro-me a bons livros, é claro. “Caçador de livros”? Não. “A menina que roubava pipas”? “Crepúsculo”? “Harry Potter”? Não, não, não! Lamento.

Cheguei a esta conclusão assistindo a “Trópico de Câncer”.

Tenho uma teoria. (Aliás, acho que tenho uma teoria sobre tudo.)
Mas, sem delongas, vamos a esta...

Minha visão sobre os livros é meio luterana: eles são a fonte, e deles devemos beber diretamente, sem intermediários.
Ou seja, ninguém precisa ficar interpretando a interpretação de outro.

É aquilo. Está lá e pronto.

Se considerarmos que a sociedade tem um pensamento mais ou menos uniforme em determinada época, dá pra se chegar à conclusão de que este é um problema que não vai se manifestar imediatamente, mas com o tempo.

Tomando como exemplo o próprio “Trópico”.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1934 (pesquisei no Google; a responsabilidade é toda dele).
De lá pra cá, ele foi lido por inúmeras gerações, cada qual o interpretando à sua maneira.
Só que, por mais que o autor seja envolvente a ponto de passar com exatidão ao texto o ambiente, os sentimentos, e até os movimentos, é absolutamente impossível que duas pessoas vivam aquele livro da mesma maneira.

O que você imaginaria então da imagem que a sua avó deve ter feito de Henry Miller?

E aí está – imagino eu, na minha confessada ignorância cinematográfica – o maior problema do filme.
Lançado em 1970, ele mostra que a visão que naquele tempo se tinha da Paris e das personagens de Miller é completamente diferente da que temos hoje.

E não tem a menor importância a que está certa e a que está errada.

O livro – como todos os bons – será eterno.
O filme já está morto.

As únicas coisas que se salvam nele, aliás, são exatamente os trechos do livro que são lidos de vez em quando.
Mas aí não vale.

O pudim

Não é uma metáfora.
Nem procurem qualquer mensagem implícita.
Pessoas que lerão isso depois que eu morrer – não se animem, vai demorar –, e eu não estiver mais aqui para me defender: não é uma elogio ao governo; nem crítica ao Ricardo Teixeira; nem apoio nem repúdio a maçons, judeus, homossexuais, bebês com sardas, ou qualquer outra coisa maluca que podem querer tirar daqui um dia.

É um texto sobre um pudim. E ponto.

Porque a verdade é que o ponto alto da minha semana, sem exageros, foi... o pudim!
Para ser mais justo, acho que deveria chamá-lo de “O Pudim”. Assim mesmo, com aspas e maiúsculas. De preferência, com aquelas letras de caligrafista.
Só assim pra dar a dignidade que ele merece. Mereceu.

Pode parecer pouco para vocês, seres que saem às ruas e interagem com outros seres hum...
Do que eu estou falando? Vocês leem blogs!
Corrijo para: “seres que saem às ruas e fazem essas coisas esquisitas que vocês devem fazer”.

Mas, como eu ia dizendo, para mim, um Kaspar Hauser deste Século XXI, qualquer coisa, qualquer sinalzinho do mundo exterior aparece como milagre.

E vocês tinham que ver... Que milagre!

Eu abria a geladeira, e lá estava ele, queimadinho por cima, amarelo por baixo, nadando na calda.
Desafiou-me tanto que fui obrigado a devorá-lo em generosas porções.

Nobre pudim.
Morreu cumprindo o seu destino.

Ah! “Eat, drink and love. What can the rest avail us?”

“Pensou que eu não vinha mais, pensou...

... Cansou de esperar por mim”?

Mas eu voltei.
Eu sempre volto.

Minha língua ferina faz os dedos coçarem.
E quando ele coçam tenho que sentar aqui, e escrever.

Trago boas novas!

Porém, antes de tudo, explico minha ausência: mais uma vez condenado a uma semana de ócio por causa dos sisos, meti-me a desbravar a literatura argentina. Ernesto Sabato, sugestão-cortesia de Aldirzinho do Telecoteco.
O resultado – previsível – foram quatro dias imerso no universo portenho.

A segunda razão, mais importante, foi a volta daquele velho hábito protomasoquista (“proto”, não “procto”, seus engraçadinhos) de ler Veríssimo. Ele, que sempre me põe no meu devido lugar literário: o esgoto. Não tratado.
Funestas consequências, portanto...

Só que as boas notícias não podiam esperar.

Na madrugada de quinta para sexta-feira porei os pés, nada menos que pela quinta vez, em “mi Buenos Aires querido”.
Hoje, pode até parecer bobagem, mas é que ainda tenho na cabeça aquela (boa) época em que era possível encontrar até argentinos na capital portenha. Isso foi pouco antes da colonização brasileira ter começado. Há uns seis anos, mais ou menos.

De todo jeito, mesmo com o título de capital temperada do Brasil, é inegável que ela mantém o seu charme...

Portanto, juntarei feliz à coleção mais uma foto em frente à Corrientes, trés cuatro ocho.
É um estacionamento? E daí?
Eu sou turista, pô! E turista acha graça de tudo.

Argentina(s), aí vou eu!

domingo, 15 de agosto de 2010

O que é a felicidade?

Sentimentos são abstratos, mas o homem é humano demais para não os ver, tocar, sentir, cheirar, ouvir.

Eu, por exemplo, me vejo feliz no campo.

É engraçado, porque não gosto de insetos.

E também porque eu sempre fui da cidade.
Aliás, a fase mais bucólica da minha existência foi um sequência mais ou menos periódica de visitas à casa de campo da minha avó paterna, encerrada precocemente depois de encontrarem uma cobra (de verdade) no quarto. Ela obviamente ficou - a cobra, não a minha acó -, e todos saíram correndo às pressas, pulando num Fusca azul já em movimento.

Pensando bem, deve ser exatamente por isso: o fascínio pelo desconhecido.
Não é isso que vira e mexe se costuma dizer?
Sei lá.

Mas é um fato. Pensar na minha felicidade é pensar num relvado verde, infindável, com crianças ainda sem rosto – filhos, sobrinhos, netos? –, brincando em suas roupas de um branco tão branco que nem sequer pode existir.

Ninguém nunca precisa acender as luzes.
O sol ilumina o tempo todo (e só chove de tempos em tempos uns chuviscos daqueles que um banho de mangueira nunca poderia substituir).

Uma parede coberta de fotos.
Família e amigos.
Os que foram, os que são, os que sempre serão.

Diplomas, roupas de festas, abraços, pessoas fingindo olhar alguma paisagem mundo afora, um cachorro lançando milhões de microgotículas de água depois de se sacudir por causa de um bom banho...

“Lembra do fulaninho? Hahaha! Olha como ele era magro...”

Talvez do lado oposto, talvez em outro lugar totalmente diferente, uma biblioteca.
Livros organizados por ordem alfabética de título. Ou de autor. Ou por assunto. Ou por qualquer outra ordem maluca que uma vontade pré-senil queira estabelecer.

Não, não, não... Bagunça completa!
Alguns espalhados pelo chão, outros caídos nas prateleiras. Pra cada vez que se precisar procurar alguma coisa, vê-los todos. As letras da capa fazendo lembrar cada uma das vidas vividas.

(Acho que vou deixar esta parte em aberto, pra decidir mais tarde.)

Vez por outra, uma carta numa caixa ou uma dedicatória numa página amarelada trazendo de volta um amor natimorto.
E fazendo surgir aquela coisa esquisita que fica extamente no meio do caminho entre bufar e sorrir, e que absolutamente não dá pra explicar.

Uma poltrona e um abajur.

Na sala, amigos e música. Conversas. Risos das estórias daquela juventude há muito passada, e também de outras juventudes, mais novas, menos compreensíveis.

Uma mão carinhosa no cabelo; no rosto; no braço. Em qualquer lugar onde eu possa senti-la e dizer pra mim mesmo: “Ufa! Está aqui”.

O que é a felicidade, afinal?

Não conheço a sua.
Pode ser – e é bem provável – que não haja crianças, livros, sóis que nunca se põem, mãos e abajures.
Pode ser que a minha felicidade seja só o ideal barato de comercial de sabão em pó.

Pode ser, pode ser, pode ser.

Mas pra onde vamos?
O que fazemos nesse ciclo que vai de domingo a sábado, de janeiro à dezembro, do nascimento à morte?

Ah!, a felicidade...
Vivemos para ela, mas nem sabemos o que ela é.

sábado, 14 de agosto de 2010

A volta

Parou em frente à porta.
Um dois três quatro cinco minutos...
Tempo que absolutamente não importa. Ou não importava.

Afinal, tivera uma epifania.
E o que é o tempo para quem teve uma revelação?

Lembrou-se de como a conhecera, e de como ela ria quando a conhecera. E de que quando ria ela ficava com aquela marquinha linda no canto dos olhos.
Pensando bem, aquela marquinha não existia desde o início. Aquela marquinha veio com a vida boa e difícil que já compartilhavam há anos – ela mais do que ele, é claro.

Quando estava sozinho, sentiu de novo aquele aperto no coração, aquele gelo na barriga, aquela dormência nas pernas.
O mesmo que havia sentido na hora que, contra a opinião dos amigos (que insistiam em dizer que “AQUELA mulher” nunca olharia para ele), tomou coragem e se levantou da mesa e foi perguntar se ela era um anjo.

E que pergunta estúpida foi aquela, meu deus?

Ela com certeza só riu porque ele gaguejou.
E ele ficou sem graça.
E ela soube que naquele momento estava perdida, para sempre.

Soube – porque as mulheres sempre sabem tudo – que amaria aquele homem meio engraçado, meio sem jeito. Soube que ele a amaria também, mas que ele nunca reconheceria o valor que ela merecia. E merece. Porque os homens sempre erram. Sempre.

Mas agora ele estava ali, parado, em frente à porta.
E ela também estava ali, parada, em frente à porta. Só que do lado de dentro.
Sentia aquela respiração forte a uns poucos metros, e parecia que ele, ao inspirar, roubava-lhe todo o ar. E todo o chão.

O movimento que ele fez foi tão sutil, tão reflexivo, tão cauteloso, que não se pode dizer se foi o dedo que tocou a campainha, ou se foi a campainha que tocou o dedo.

Ela demorou para se decidir.

Na verdade, em nenhum momento considerou que pudesse ser diferente. Apenas demorou para assimilar o que já estava decidido há muito, desde aquele dia em que aquele homem engraçado e sem jeito a chamara de “anjo”.

Levou um dois três quatro cinco minutos para abrir a porta.
Tempo que não importa. Não importava.

Ele a olhou e a viu pela primeira-vez-de-novo.
Só que desta vez, não estava rindo. Estava com os olhos tocando o chão e a tristeza tocando o teto.

Mas ela aceitou o seu destino, e lhe abriu os braços.

Abraçaram-se.

Um riu, outro chorou.

Ele sabia que desta vez seria diferente.
Ela sabia que não.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Baixa fidelidade

Tenho algo a confessar.
Há tempos minha relação com eles anda estremecida.

É sempre paixão à primeira vista...
E o toque? E o cheiro?

Um eterno ar de mistério.
No começo, sempre escondem tudo.

Alguns se mostram fáceis... Se entregam, se rasgam, se deixam devorar.
Outros simplesmente fazem com que eu entregue os pontos.

Logo eu, este promíscuo.

O peso da idade começa a chegar.
Aquele ímpeto juvenil começa a esmorecer...
Cruel realidade: nunca terei todos os que quero.

Não me oprime o passado, nem aquele futuro certo, que eu sei que chegará.

Mas ó!, livros que nunca lerei, me deixem em paz!

Solteiro, sim. Sozinho?

Às vezes.

E que falta eu sinto de um bem, que falta me faz um xodó. Ou uma mãe, uma irmã, uma avó. Uma namorada, amiga, tico-tico-no-fubá.
Alguém com essa doce e apaixonante qualidade: ser mulher.

Percebi isso hoje, mais do que nunca.

Compras de mês, fila do supermercado.
Não tinha viv’alma que passasse e não torcesse o pescoço para dar um segunda olhada no meu carrinho.

Só aí me toquei: eu era, ao vivo e a cores – sem a pança e os grisalhos, é verdade –, a encarnação do estereótipo do solteirão.

Inventário: pizza, suco em caixa, pão, queijo, macarrão instantâneo, macarrão não instantâneo, gatorade, uva passa e iogurte.

Caaaaalma, que eu ainda não acabei!

Decidido a mudar de hábitos e incorporando um espírito “Clube do Picadinho”, vesti excepcionalmente uma cueca (por precaução, vocês podem imaginar) e fui testar minhas habilidades no fogão.

Vergonha.
Três panelas sujas, dedo queimado, molho de tomate no cabelo (sem exagero), e um macarrão que só comi porque deu um trabalhão pra fazer.

Pra piorar, ainda corro o risco de a empregada pedir demissão amanhã, na hora que bater o olho na pia.

Será que não há no mundo um par de pernas – brancas, pretas, amarelas? – pra botar na linha este gauche?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Aliás...

...ótima piada contada ontem.

O alemão compra o Kama Sutra, e sai correndo para o banheiro.
Daqui a pouco... "Aaaaaaaaaaaaaaah!"

- O que houve, Friedriech?
- Enrabei-me!


Pensando bem, acho que na piada não era um alemão...
Mas tanto faz.

Dez anos

Excelente o Programa do Jô Especial 10 anos.
Não ria tanto desde o lançamento de American Pie 47 - A última farra no asilo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ideias

É foda.

Estou na rua, e pá: vem uma ideia, dessas geniais.

Tento fazer uma anotação mental.
Começo até a rabiscar alguma coisa, mas é só o tempo de o sinal abrir, e pronto: já não lembro mais de nada.

Ideias são voláteis; tomem cuidado.

Acontece mais com a escrita.
Nem tanto com os assuntos, grosso modo.

Aparece algo que me faz dizer, em voz baixa: “Putz! Isso tem cara de Nobel”.
Dez segundos depois, me pego pensando se aquele frango que está na geladeira desde semana passada ainda dá um caldo.
E cadê que volta o lampejo?

Necadipitibiriba!

Aí vocês – pobres coitados – acabam sendo obrigados a ler este tipo de porcaria.

É sério!

Juro que no domingo, voltando pra casa, imaginei um texto pra falar exatamente sobre isto aqui.
Metalinguagem de primeira, sabem? Futuro exemplo de livro de ensino médio...

Até imaginei o Veríssimo balançando a cabeça e pensando, admirado: “Esse cara tem potencial! Quem sabe daqui a duzentos anos...”.

Porém, como numa descarga cerebral, tudo por água abaixo.

Ai, ai...
Resta apenas catar estes restos que por sorte ficaram grudados no córtex.

E torcer – sempre torcer! – para que eu esteja preparado quando uma nova lâmpada brilhar sobre a minha cabeça.

Re: A bruxa

A vida é curta demais.
Temos tempo suficiente apenas para fazer um pequeno punhado de amizades... Com sorte, meia dúzia. Com menos chance que de vencer na loteria, uma dúzia inteira.

Não falo dessas companhias de bar, nem dessas de papos intelectualóides.
Não. Dessas, há uma porção por aí; em qualquer bar, em qualquer escola.

São poucos, ou quase nenhum, os que nos inspiram uma admiração sincera.
Os que nos fazem considerá-los “um ponto acima da curva” da normalidade...

Pessoas "dessas caladas, distantes, que lêem verso de Horácio mas secretamente influem na vida, no amor, na carne”.

Amigos têm mais que interesses pontuais; têm a mesma filosofia - a do dia a dia, não a dos livros.
Podem manejar uma conversa dando guinadas radicais entre (muitas) estórias e (mais ainda) vontades, passado e futuro, literatura e mulheres. E tudo isso num piscar de olhos. Ou no espaço de um gole.

É sempre bom ter alguém com quem compartilhar, sem qualquer vergonha, a falta de limites do imaginar e do viver.
O que é o longe quando essas dimensões já passaram por cidade, estado, país e continente?

De qualquer jeito, é sempre bom voltar às origens e, numa daquelas boas conversas de antigamente, beber novamente dessa fonte (ou de uma tulipa).

E ainda falta o mundo!


________________________________________
De: Aldir Piscina aldircachinhosdourados@gmail.com
Para: Hector Melendez
Enviadas: Sábado, 7 de Agosto de 2010 16:17:25
Assunto: A bruxa

Talvez desperte seu interesse...

A bruxa
A Emil Farhat

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.
Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida ao meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.
De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?
E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse neste minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.
Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e clama.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?
Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.
Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.

Carlos Drummond de Andrade

Sempre ele

É até chato falar de algo que meio mundo já contou e cantou.
Mas nem todos os contos e cantos juntos são suficientes para descrever a sensação única de ver a Cidade Maravilhosa.

Sobrevoar o Rio de Janeiro é como planar sobre o céu.

Um amor à primeira vista (e até onde ela alcance).

E não é só beleza.
O Rio tem espírito, tem alma.

Música e poesia estão ali o tempo todo; é só estender os braços para tocá-las.
Aliás, muitas vezes basta abrir os olhos.

É uma exceção que o mundo abriu à cruel distinção entre humano e divino.

Nascer ali torna as pessoas não só cariocas. Faz com que elas sejam também partes desse todo, que é levado como um eterno diferencial.
E é diferencial, mesmo.

“Diga onde você quer nascer”.
Dedo em riste, sem pensar apontaria para lá de novo.

Porque sou um apaixonado.
E tenho orgulho de dizer que assim será pra sempre.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

De grão em grão...

Dr. Evil morde a unha do dedo mindinho e, com uma careta que mostra toda a sua maldade, ameaça explodir o mundo com armas nucleares caso não seja pago um resgate de... Um milhão de dólares.
A conspiração do mal, perplexa, alerta que um milhão não é mais muito dinheiro; Dr. Evil, depois de trinta anos congelado, tinha perdido a noção das coisas. 

Bem, estou me sentindo meio Austin Powers agora: dou um grito de "rumo aos mil acessos", e acho que estou prestes a conquistar o mundo.
E podem me chamar de ultrapassado, mas continuarei defendendo a ideia de que um milzinho tem lá o seu valor...

Romário, pra chegar aos mil gols, precisou jogar até com times da terceira divisão da terceira idade do Azerbaijão.
E não deixou de ganhar estátua por causa disso.

Portanto, aproveitem que o gol está vazio, e chutem à vontade.
Ou melhor, cliquem!

Enquanto vocês estiverem por aqui, juro que não os abandonarei.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Funk Beat

Isto não é merchandising.
Ainda não encontrei nenhum publicitário insano que ache que vale a pena investir uma maria mole mordida neste blog.

Encarem este post portanto como propaganda gratuita.

Na verdade, estava eu aqui, na minha, pesquisando sobre a influência de Henry Miller sobre Bukowski (meu ócio chega a este ponto; não me inveje), quando encontrei uma pérola.

Alguém uma vez achou graça quando eu disse “há um funk sobre qualquer coisa”.
E é falando sobre qualquer coisa que o batidão vai se tornando a nova MPB, Música Pra Pular Brasileira (expressão de Júlio Barroso, que eu – confesso! – propositadamente coloquei aqui só pra misturar um beat nativo).

E antes que me venham com aquela lenga-lenga puritana, pensem que não é qualquer um – nem qualquer ritmo – que junta na mesma estrofe Kerouac, Miller, Hemingway e Céline.

Justa homenagem ao decadente dos decadentes.
Mereceria um boilermaker para celebrar:

“Buco buco buco Bukowski pancadão!
Muita gente inteligente entrou nessa onda beat
O meu tio matou um hippie - cala a boca, Kerouac!
Henry Miller e Chinaski
Ao som de Gustav Mahler
Hemingway chupou Céline
Cerva quente pro Bukowski”.

Enfim... Se existir no mundo mais alguém que goste de funk e Bukowski, vai querer ouvir.

Alguém?
Por que eu nunca me acostumo a falar com as paredes???



E.T.: Aliás, não há como não lembrar daquele batidão do Bonde Cult: “Como diria Jean-Paul Sartre em 'O Ser e o Nada': ser consciente da causa em que minha ação é inspirada já transforma a própria causa em objeto trascendente de impossível apreensão em um nível consciente..."

E.T.2: Injusto não dar os créditos: “Musical Amizade” é o nome das feras.

domingo, 1 de agosto de 2010

Cuidado, meninas

Ele jurou que me processaria por danos materiais, morais e até imorais, caso eu viesse a cumprir minha promessa.

Mas não serão ameaças que calarão esta humilde voz, vinda ao mundo apenas para noticiar a vocês (tchutchuquinhas) os grandes acontecimentos da humanidade.

Em um daqueles lances de espionagem dignos de Hollywood, esta equipe-de-um-homem-só de reportagem teve acesso àquela que é considerada a cantada 101%, a inigualável, a infalível.

Testes realizados em laboratórios levaram centenas de ratas a um total frisson (que, na maioria das vezes, mostrou-se irreversível).

Não há estudos conclusivos sobre a interação da técnica com outros meios de conquista, em especial o “fiu-fiu” e o “ôôô!, lá em casa!”.
Portanto, use com moderação.

Trazida com exclusividade para você, leitor amigo:



O post nosso de cada dia

A noite transcorria suave. Segundo a segundo, minuto a minuto.
Sem sobressaltos; um prazeroso gastar de tempos com os amigos.

Hermana, como de costume, mostrava quem comandava o grupo, com mais uma daquelas frases que só atingem o grau máximo de virilidade se saídas de sua boca: “Pô! Pediu o telefone pra mulher? Ah! Que bicha...”.

Juan bolava mais um plano mirabolante para uma conquista já anunciada (guardem a informação; falaremos sobre isso num futuro próximo), enquanto Hector tentava fazer anotações em seu esquálido bloco de notas mental.

Quando de repente, não mais que de repente, um facho vindo dos antepíncaros do inferno iluminou sua noite.

Dançando feito uma galinha possuída pelo espírito da Lacraia, o sujeito cruzava e descruzava os braços na frente do peito, ao mesmo tempo em que jogava as luzes de seu celular-lanterna sobre sua parceira.

Ela, que era um caso à parte.

A... [pigarros] digamos assim... rechonchuda porta-bandeira mais parecia um poste. Ao menos do pescoço pra baixo. Porque a cabeça sacudia direitinho ao ritmo dos tamborins.

Que bela cena!

Não demorou muito tempo para que se abrisse – em meio a risadas e esbarrões - uma roda em volta do casal de dançarinos.

A japonesa, que ensaiava os primeiros passos de um gingado miudinho malemolente, até parou, envergonhada e indignada por não ter sido – provavelmente pela primeira vez em sua vida – o destaque excêntrico do samba.

Hector agradeceu. Depois daquela semana difícil, finalmente conseguiu anotar algo em seu caderninho: “Obrigado, senhor, pelo post nosso de cada dia”.

Por qué yo?

Injeção. Corta, corta, corta.
Puxa. “Vou fazer pressão”. Puxa, puxa, puxa.
Jato d’água. Costura, costura, costura.

Pronto.
Em vinte minutos, eu tinha dois dentes a menos na boca, um complexo coquetel de remédios pra tomar, e três dias pela frente sem fazer nada, em casa.

Aí, eu me pergunto: pra que diabos servem os sisos?
Tivesse eu sido abençoado pelos deuses da evolução, estaria agora rindo daqueles que passam uma semana com cara de Fofão.

Só que, pra (não) variar, fui azarado.
Enfim, só me resta esperar pela apendicite...

Mas não é sobre isso que eu queria falar. Ou melhor, escrever.
Esses dias que passei em casa foram uma renovada demonstração do quanto o ócio é improdutivo.

Uma bisonha matemática às avessas... Explico.

Vida normal: acorda, trabalha, almoça, malha, estuda, lê, sai, dorme, reclama da falta de tempo.
Vida ociosa: acorda, dorme, liga a TV, zapeia todos os canais, come, dorme, come, dorme, zapeia todos os canais, lê uma página, dorme, come, dorme, reclama da falta de tempo.

E foi exatamente assim, entre lençóis e fronhas, sorvetes, meios capítulos e controles remotos que passei a semana.

Entenderam agora por que eu não tenho nada pra dizer aqui?

[bocejo]

Bateu um sono, agora...

Alô, mamãe!

Tomei um susto quando abri a geladeira na terça-feira de manhã.
Frutas, sucos, iogurte, ovos, comida não-enlatada, vegetais de nome esquisito...

Olhei para o batente da porta, e Giselda – ela mesmo, minha aranha de estimação – não estava mais por lá. Tinha ido embora, de teia e cuia.

Ah! Lembrei...
Minha mãe veio me visitar!