domingo, 19 de dezembro de 2010

Pequena reflexão explosivo-sentimental

Primeiro, o universo. Depois, o mundo. Procariontes, eucariontes, dinossauros. Catástrofes. Gentes, filosofias, religiões, rebeliões, revoluções. Guerras, pazes, amores, desamores. Séculos, milênios. Dezenas de centenas de milhares de milhões de homens e mulheres.

Aí, veio você.

E desde então minha vida é esta procura sôfrega, trôpega, trêfega.
Sinfonia de melodia alucinada, depois da espera de tantos compassos.
Calada, daquela eloquência das coisas simplesmente indizíveis.
Sedenta, da sede que só se mata com saliva e suor (muito suor).

É uma busca de carne, de pele, de pelo, de cheiro. Um sentir de lábios quentes nos ouvidos, de palavras susurradas à alma. É de saudade. É de espera por pensamentos entrelaçados, vidas entrelaçadas, corpos entrelaçados, mãos entrelaçadas.

É não dar a mínima aos dezenas de centenas de milhares de milhões, aos séculos, milênios, às guerras, pazes, amores, desamores, filosofias, religiões, rebeliões, revoluções. Um “dane-se o mundo”.

Que não reste nada, enfim; tanto faz.
Seremos tudo.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Soy loco por ti, América - Parte I - Pelo visto, uma zona

Não que eu esperasse algo diferente.
Nem nos meus sonhos mais loucos imaginei um casarão, bandeira hasteada, tapete vermelho, funcionários solícitos.

Sinceramente, fui esperando quase qualquer coisa.

Passaporte na mão, entrei naquele prédio velho de Copacabana. Dividindo o andar com um advogado meio porta de cadeia meio papa defunto, a porta exibia num orgulho contido o brasão. Acima, a inscrição: “Consulado de Honduras”.

Sim. É preciso de um visto pra entrar em Honduras. E outro para entrar em Belize (que você nem sabia que era um país, né?).

Tudo muito bom, tudo muito bem.

Mas... “Horário de Funcionamento: 11h – 12h / 14h – 15h”, ou algo assim.

Uma checada no relógio: 14h30. Uau! É meu dia de sorte!

Campainha.
Campainha de novo.
O advogado esquisitão da porta ao lado me aborda, desconfiado:
- Ei! Este aí é o Consulado.
- Eu sei – e penso, de um jeito meio irônico, que não deve ter muita gente a fim de se submeter aos horários esdrúxulos dos órgãos hondurenhos para arranjar um visto.
Volto à campainha. Ouvido colado à porta. Foi um barulho lá dentro? Não... Acho que foi o advogado chato. Deve estar me vigiando pelo olho mágico. Ou acha que sou um terrorista, ou que eu vou sair preso em breve. Deve estar percebendo uma oportunidade de negócios. Toc, toc, toc. Paf, paf, paf. Nada. Desço e pergunto ao porteiro:
- Tem outra entrada para o Consulado?
- Não. É só aquela mesmo.
- É porque ninguém me atende. Será que está tendo reunião, ou alguma coisa assim?
- É que só funciona de vez em quando. - Juro que ele disse isso: “de vez em quando”.
- E como eu faço pra tirar o visto?
- Ah!, quando o pessoal precisa, fica vindo aqui, até encontrar alguém.

Depois de uma explicação tão clara, só me restavam duas opções: mudar-me de volta para o Rio e ficar morando na portaria do bendito prédio, ou pedir pra Mamãe Hector resolver tudo pra mim.

Continuo no mesmo endereço, se querem saber. E consegui o visto.

Próxima etapa: “Consulado Honorário de Belize”.
Fica num prédio residencial...

No tempo da delicadeza

Descobri uma palavra nova.
Não. “Descobrir” não é o jeito mais certo de dizer. Acho que, na verdade, só desvendei aquele sentido secreto que todas elas têm. Aquela coisa que só mostram a quem se interessa, a quem chega ao fundo.

Há coisas que podem ser expressadas de muitas formas. Outras de nenhuma. Umas poucas de um jeito só.

Dizer-se “encantado”, por exemplo, está fora de qualquer compreensão.

Não é de propósito, não é feitiço, não é sentimento, não é pensamento.
Disfarça-se de fenômeno da natureza. Simplesmente acontece: encanto.

Pensem, quantas vezes já nos encantamos, no sentido mais profundo, sem nem perceber? E quantas já nos confessamos encantados, exatamente nestes termos, nesta ordem de letras?

Vivendo neste mundo que nos enche de responsabilidades chatas, não há fuga melhor do que ser simples e inocentemente encantado.

Prezado senhor tempo,

Tu me enganaste.
Ou me enganaram em teu nome. Sinceramente, não dou a mínima.

Tanto me falaram, que cheguei a acreditar em teus poderes, em tuas curas milagrosas para todas as dores.
Mentira, engodo, engano.

Já tanto tempo, e ainda dói.

Ai!, que falta ele me faz.
Queria contar tanta coisa, perguntar a opinião, compartilhar um sentimento novo, dizer "pô, Leo, tô lendo um livro que você vai gostar", ou então "amo você, cara, e aconteça o que acontecer a sua amizade está cravada na minha pele, correndo em meu sangue, firmada pra sempre na memória".

Mas não posso, senhor tempo.
Ou melhor: posso, mas acabo gritando sozinho (ou contigo, não te ofendas por isso).

Será que tu também te ressentes de algum vazio? De momentos que poderiam ser? Deveriam. Tinham que. Será que também sentes esta dor lancinante que chega de repente?

Ah!, senhor tempo, se não és tu, ao menos me diga: quem cura esta saudade?

Pois é.

Tava por aí. Bonito, cheiroso, pedante, teimoso, fazendo finta.

Demorei um pouco pra passar por aqui; é verdade.
Mas é que acabei acometido por aquele silêncio de quem tem muito pra contar. Coisa de moleque, sabem?, que chega do passeio do colégio e só consegue dizer “foi bom”.

Foi bom. Está bom.

Que mais? Por onde começar (se é que existe mesmo um começo)?

Como sempre, já é tarde da noite.
É só agora que minha cabeça começa a funcionar. No resto do dia, é como se andasse, comesse, falasse por puro instinto. Só agora sinto cansaço, fome, sede. Penso.

Gosto da sensação de estar acordado enquanto a cidade toda dorme. Me sinto um clandestino debaixo do meu próprio teto, Violo as leis da natureza. Roubo do tempo. Ganho minutos preciosos da minha própria companhia. Enfim sós. Enfim só.

Queria ter uma vitrola. Pena. Não tenho. Prefiro quando a voz da Lady Day vem arranhada pela agulha. Sempre que começo a escutar, penso numa frase que ouvi certa vez: "quando Ella Fitzgerald canta que o homem dela foi embora, você pensa que ele foi à esquina comprar cigarros. Quando Billie Holiday cantava a mesma frase, você podia ver o sujeito fazendo as malas, pegando o carro e indo embora para sempre".

Engraçado. Neste instante um carro passa lá fora. Vai ou volta? Será que eu me importo com isso? Eles se importam?

Não fumo. Não vale a pena sacrificar meu pulmão por essa imagem lúdica. Mas não nego que seria bom ter algo entre o médio e o indicador, olhos fechados, mão seguindo o compasso. “All of meeeeee, why not take aaaaall of me?”. Não quero dormir. “Caaaaaan't you see? I'm no good withooooout you”. Poderia escutar isto pra sempre. “Take my liiiips, I want to loooooose them”. Apago a luz. “Take my aaaarms, IIII’ll never uuuuse them”. Só a penumbra que vem de fora e a luz do monitor.

Não tenho vontade de escrever. Não tenho nem vontade de pensar.

Sentir, sentir, sentir... Aqui, agora, não é proibido.

Envolvido. Pelo som do quarto, pelo silêncio da noite.
“Why not take aaaaall of me?”

Equilíbrio: o corpo relaxa, descansa, enquanto a cabeça vai longe, passeia por ruas, cidades, pessoas.

Bom. Muito bom.
Simples assim.